segunda-feira, julho 05, 2010

O Teatro Baiano e o Carlismo e o Petismo e o... (?!?)


Meu caro amigo Gil Vicente, o Tavares,

Quando você diz que o teatro baiano desandou, entendo nas entrelinhas que o que você diz que desandou foi um determinado modelo de se fazer e produzir teatro em Salvador. Esse modo de fazer e produzir ocasionou aquela decantada série de CONQUISTAS que sempre nos referimos aqui e ali neste blog e que estão bem explícitas nas nossas últimas seis postagens. Não vou me repetir agora, listando tudo de novo. Leia!

A atual gestão fez tábula rasa, SIM, neste modelo. Quis e realmente começou praticamente do zero. Alterou profundamente as regras, o que terminou por destituir todos os “atores sociais” que no momento anterior tinham poder de fogo ou alguma relevância de ação, tenham sido estes pessoas físicas (diretores, atores, produtores, críticos) ou jurídicas (jornais, instituições públicas e privadas, como o Goethe e as escolas de línguas a que você sempre refere).

Isso aconteceu INDEPENDENTEMENTE dos acertos e erros ARTÍSTICOS que muitos deles cometeram no passado em questão. Por isso a expressão mais ouvida na época (2007, 2008...) foi o de: “quanto revanchismo!”. Eles foram afastados porque, causa e conseqüência, foram protagonistas de uma máquina montada pelo Carlismo, máquina cultural decantada em verso-e-prosa nas Faculdades de Comunicação APENAS (sic) como arsenal de propaganda e marketing do referido grupo político. Eles foram afastados um-a-um, tenham sido eles carlistas de nascimento ou “apenas pessoas que ‘ ingenuamente’ souberam trabalhar com a estrutura que por hora encontraram”.

Sobre a mudança no xadrez, ouvi recentemente o comentário: “Ingenuamente!? Ah... Isso é a cara de ator, dessa “gente de teatro”! Quanta alienação! Bem feito, quem mandou? Trabalhando numa estrutura que ao fim e ao cabo APENAS servia ao mal...” E a ordem foi dada: Delenda est Cartago!

Mais uma vez e para ser mais clara: A mudança CENTRAL e definitiva não foi causada por questões artísticas e estilísticas internas ao teatro. Pelas tensões estéticas que são MUITAS e que já abalavam a nossa cena soteropolitana! Pelas correntes que se contradizem e que encontram diferentes soluções para velhos e mesmos problemas... Foi causada, sobretudo, por uma mudança no poder político.

Há que se considerar ainda que, mais ou menos entre 2002 e 2006, o teatro baiano(como disse no post anterior sem citar datas) já estava também exaurido frente aos temas que os esgarçaram (excesso de baianidade) e o mecanismo das leis de incentivo que não favorecia o surgimento de novos nomes e o arejamento necessário para que um ciclo de criação saudável se mantivesse... Portanto, a mudança de governo de 2006/2007 aspirou TAMBÉM este ar de insatisfação da própria "classe".

O teatro agora TERIA que servir a novos objetivos... O teatro agora era instrumento de OUTROS “atores sociais”. De forma muito rudimentar: sai o teatro a serviço da propaganda marqueteira da “Bahia que dá certo” e entra o teatro-mudança-social, que PRETENDE “alterar profundamente” as mazelas da sociedade super-injusta em que vivemos. Um e outro não são estereótipos? Pois é...

É isto que é o cerne do ETERNO Ba x Vi a que me refiro. O Teatro na Bahia quase (nunca?) consegue ser DONO de si mesmo... O teatro apenas mal e porcamente consegue (conseguiu) criar um campo simbólico onde seus problemas e suas questões poderiam/deveriam ser resolvidas internamente. Há problemas externos ao teatro e há problemas INTERNOS à arte da cena. E os problemas internos, com mais ou menos intensidade, atingem o teatro na Bahia, no resto do Brasil e no mundo. É mais ou menos um corpus unívoco de questões. Algumas questões milenares, aqui e ali pinceladas por pressões da modernidade-tecnológica.

E a partir deste ponto precisamos ainda mais de atenção com este texto e um pouco de boa vontade interpretativa.

Não quero dizer que a criação deste campo simbólico seria a prova cabal de que o teatro está se lixando para a sociedade em que vive... Isto é o que pensam alguns SOCIÓLOGOS. Alguns! Mas há outros que acreditam que a maneira do teatro interferir/criticar/raciocinar/satirizar/ajudar esta sociedade NÃO precisa/deve ser tão subserviente, ou seja, instrumental. Que esta maneira REALMENTE é de outra natureza...

Este campo simbólico, “uma área do teatro na Bahia”, NUNCA foi estabelecido de forma coerente internamente e legitimada pelos seus próprios saberes artísticos, SEMPRE foi legitimado primeiro por interesses políticos. Sempre foi arregimentado por apoios partidários. Daí que quando um partido cai leva todas as instituições e “atores sociais” que criou em sua época, porque isto cria a impressão de que estas instituições que também SÃO artísticas, são sobretudo políticas... É um mal de nascença. É a dança de Shiva, a dança da destruição e re-construção que sempre me refiro. Sabemos que foi assim com o Carlismo, está sendo com o Petismo e será assim com qualquer ISMO que assuma o poder (Será??).

Se nós não criamos nossas estruturas, alguém as criará por nós. Por isso, nunca se acha que: “Fulano está lá porque é bom”. SEMPRE se pensa: “Fulano está lá porque é amigo/parceiro/comparsa/companheiro de BELTRANO”. O MODO como as coisas se organizam autorizam este raciocínio!! Tanto antes, na década de 1990, quanto agora, nos anos 00. Mesmo o cara (a cara) sendo competente...

Daí que tanta gente se confunda, não sabendo reconhecer a excelência que o teatro baiano alcançou nos anos 1990! Quando o teatro fez um mercadinho, quando tentou ter platéia local cheia (formada não só pelos amigos e parentes dos artistas) e quando (ousadia!) tentou EXPORTAR, produzir peças para o mercado externo que, conseqüência, deixou um número de atores nossos pelos atuais centros de produção mais estruturados (polêmicas sobre isto num capítulo à parte).

Bom, esta incapacidade de gerenciarmos nossas hierarquias e valores internos ao fazer teatral é o grande mal que nos abate enquanto área: não sabemos julgar por nossos próprios critérios (que já são muitos!). Esses critérios estéticos até são usados na "briga pública", mas, por trás, ficamos todos com a impressão que a questão mesmo é outra... Porque é realmente BELTRANO que sempre legitima os nossos parceiros. Afinal, foi Beltrano que os colocou LÁ. Nós não reconhecemos e não fortalecemos nossas hierarquias internas e, portanto, não aceitamos os sucessos/fracassos. Estes são sempre culpa de um outro.

Quando nós “gente de teatro” criticávamos o teatro da Bahia da década de 1990, que, além de todos os acertos artísticos, tinha seus horrores [estava excessivamente fechado em alguns artistas (a maioria "ótima", mas não todos, e com outros "ótimos" querendo entrar na festa também, mas sem poder), ultra-dependente das leis de incentivo fiscal (questão nacional, o Rio e São Paulo peitaram uma mudança menos drástica), eivado de relações paternalistas entre artistas e alguns funcionários públicos (a maioria competente, mas não todos)], isso para muitos foi a deixa para entender que ERA HORA DE MUDANÇA. E era.

E a mudança, mais uma vez, veio de FORA para dentro. Com os artistas TENDO que se ajeitar no espaço traçado por interesses outros. E deu nisto que tá ai. A “mudança cirúrgica” que falei no último post sequer foi pensada. Para que? Pra quem!? QUEM é que precisava de mudanças cirúrgicas???! Questões artísticas dão muito trabalho... E esta "gente de teatro" já é tão briguenta entre si. Mas, repito: uma coisa são as nossas brigas domésticas, de nossa GRANDE família teatral (não só da família teatral baiana...), que quer fazer mil e uma coisas com a cena. OUTRO problema, são as questões DE FORA.

Posso conversar HORAS sobre isto e ESCLARECER mais, também, a quem interessar possa, caso meu raciocínio esteja mal expresso.

Mas quero voltar para os comentários ao texto de Gil...

Cris, me diga onde no teatro baiano você tem acesso a tudo? Olhando agora o roteiro do atarde.com não é a impressão que eu tenho... E, depois, mudamos as condições de possibilidade para que determinadas FORMAS de teatro fossem executadas em Salvador. Por exemplo, montar um texto contemporâneo ou clássico que ainda pague direito autoral (CARO) com artistas da terra ficou ECONOMICAMENTE inviável!!!! Só podemos ver (se for o caso) este texto montado por atores de outras plagas em viagem pela nossa terra.

E montar um clássico não é assim: “Quer montar? Monta!”. O próprio exemplo que você dá, de Hackler, é um caso-atípico, um diretor de exceção, praticamente um bastião que há anos legitima a prática de diálogo com os grandes autores (contemporâneos ou não) produzidos nas capitais. Uma atividade rara/cara/essencial nas melhores “famílias do teatro”.

Como disse Gil, se a gente visitar qualquer “capital do mundo” vamos ver em cartaz pelo menos um Brecht, um Shakespeare, um Ibsen, um outro autor-referência e bem montado. Mas, não esqueça, Gil, que falamos da “capital da Bahia”.

Um beijo carinhoso,
da amiga Jussi

3 comentários:

Pense, logo exista. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pense, logo exista. disse...

Bom, continuo a tentar entender como coloquei no comentário abaixo: a questão é montar textos clássicos, contemporâneos ou ter verba para montar o que quiser e com quem quiser?

Em relação ao que se produz hj é reflexo da época que vivemos, independente de política, de carlismos ou wagnerismos. Como falei, não acho que a política cultural esteja excelente, mas não acho que seja apenas isso que comprometa (se é que existe algo comprometido) a criatividade dos artistas ou a capacidade de buscar saídas. Respeito o que já foi realizado,as pessoas que realizaram, admiro até. Mas não acho que se deva ficar "preso" ao que foi construído. São referências, são. Inegáveis. Mas prefiro fazer a minha história, contá-la da maneira que sinto, da maneira que desejo expressar. Não tenho preconceito por nenhum tipo de texto ou encenação. Vou ao teatro aqui, assisto de tudo. Se quiser montar um dia Tchéckhov, vou montar. Se quiser, Shakespeare, também monto. Basta sentir vontade e achar que tenho condições de dar conta. Se vou adaptar,desconstruir,etc, já é um problema meu, independente de qualquer coisa. Prezo pela liberdade. Como vou fazer? Com certeza, vou buscar os meios (editais, leis, etc). Se vou ter público? Quem sabe? Se o Braskem vai me indicar? Quem sabe? Acho que não. Se vou ter crítica no Jornal A Tarde satisfatória? Acredito que também não.Se vou agradar aos colegas? Quem sabe? A maioria não gosta mais de nada. Não sofro com isso. Sofro com hipocrisia, falsidade...,mas enquanto tiver força para correr atrás do que desejo, vou correr. Vou questionar, vou fazer barulho sim. Já tentei pensar na coletividade. Dediquei algum tempo da minha corrida vida nas reuniões do SATED, câmaras setoriais, etc. Foram muitas e nelas aprendi que aqui em Salvador só se reclama quando o calo aperta. Só se junta para reivindicar algo, quando não está trabalhando. Infelizmente é assim.

Quando comento com Gil que esse discurso ainda não é dele, justamente porque acho ele novo, inteligente e com saúde para arregaçar as mangas e não se abater.

Desculpa, mas é esta é minha humilde opinião.

Carlos Nascimento disse...

A Bahia é Invencível!!!!!