terça-feira, outubro 27, 2009

No tempo das diligências; o Fundo de Cultura do Estado da Bahia

O Teatro NU acaba de receber um comunicado urgente do Fundo de Cultura:

“Prezado Senhor,

De: Ciro Nunes Sales
Diretor de Fomento à Cultura
Fax: (71) 3341-1355

Informamos que a Comissão de Pré-Seleção do Fundo de Cultura da Bahia resolveu não pré-selecionar o projeto “TEATRO NU CINEMA – II EDIÇÃO – MOSTRA BAIANA” - Processo nº. 0800090029521, haja vista que após atribuições de notas individuais de cada Comissário, o mesmo obteve a pontuação final de 29,57 pontos e não alcançou o mínimo estabelecido no item 8.3 da Portaria nº. 051/09 – SECULT.
Para seu conhecimento, informamos ainda que os critérios para os quais o projeto não obteve a pontuação média foram: 8.2.a “valor cultural do projeto”, 8.2.b “viabilidade técnica do projeto” e 8.2.f ”aderência aos objetivos do Fundo de Cultura da Bahia”.

Atenciosamente,

CIRO NUNES SALES
Diretor de Fomento à Cultura”

Esse comunicado é referente – como se evidencia acima, a uma segunda edição que faríamos do projeto Teatro NU Cinema. O projeto consiste em levar teatro para as salas de cinema, através de peças curtas que passariam antes das sessões, em frente à tela do filme.

A primeira edição foi chamada Mostra Tchekhov e contemplava três peças curtas do grande autor russo. O projeto ocorreu de forma satisfatória, e pudemos perceber, pelos questionários preenchidos, a satisfação do público de cinema que, em boa parte, nunca havia ido ao teatro; pasmem.

O retorno que tivemos, para além do público comum, de artistas, do grupo Sala de Arte e tantos outros foi o que nos estimulou a realizar uma segunda edição.

Imediatamente, pensei em contemplar a dramaturgia baiana, sempre com pouco espaço nos palcos da cidade de forma regular. O intuito era, também, não só estimular novas criações dramáticas, como difundir o nome e o trabalho de dramaturgos baianos nas salas de cinema, ampliando possibilidades, dialogando com essa abissal distância que separa muitas vezes o público comum dos artistas de Salvador.

Pois bem. Primeiramente o Fundo de Cultura veio com suas famosas diligências. Acho engraçado e me pergunto se alguém já recebeu alguma diligência do Fundo de Cultura contestando valores baixos de cachê para atores, ou exigindo contratação de profissionais a mais para o projeto para que ele ocorra em perfeitas condições. Não. Até onde eu sei, as diligências são sempre pra abaixar cachê, cortar pessoal, questionar técnicos, artistas, fichas técnicas, enfim, uma comissão que deveria prezar pela qualidade, pela possibilidade de um artista ganhar bem, parece funcionar na barganha de “até quanto você desce pra gente poder te dar o dinheiro”. E lembro sempre de minha mãe; quem muito se abaixa...
Não pretendo aqui fazer um artigo reclamando de uma reprovação. Faz parte do jogo, perder. E eu também não posso esperar muito das sucessivas comissões de prêmios e editais, carentes, em sua grande maioria, de capacidade, competência e integridade profissionais.

A questão não é essa. É muito mais grave. O mesmo Fundo de Cultura, que aprovou o Teatro NU Cinema – Mostra Tchekhov, fez três considerações totalmente absurdas sobre a segunda edição do projeto. O problema em questão são as considerações. Talvez contemple os pareceres e diligências absurdos que muitos projetos vêm recebendo, e pelos quais muitos proponentes vêm se calando.
Vamos a cada uma:

8.2.a “valor cultural do projeto”

Vivemos uma política terceiromundista ressentida e burra de nos fecharmos em nossa própria cultura, como se nossa cultura não fosse uma contaminação do que acontece no mundo inteiro, e que naturalmente deveríamos dialogar. Mas se a cultura na Bahia está neste histerismo de africanidade, cultura popular, folclore e pobreza, o Fundo de Cultura achou o valor cultural de um projeto com textos de Tchekhov mais valoroso do que um com dramaturgia baiana. Isso é esquizofrenia, palavra que define bem os rumos da cultura no estado. Quer dizer que um projeto que tinha valor ano passado não tem mais esse ano? Por que? Porque a dramaturgia baiana não tem valor? Porque nossa equipe deixou de ter valor de um ano pra outro? É tão desvaloroso levar o teatro aonde o povo que poderia curtir teatro está? Fazendo teatro? Criando um mercado de trabalho, empregando mais de vinte profissionais, em torno da arte?

8.2.b “viabilidade técnica do projeto”

Esquizofrenia. Só pode ser isso. No primeiro ano, que seria um tiro no escuro, conseguimos realizar o projeto e o Fundo de Cultura achou ele viável sem nenhum antecedente que comprovasse a eficácia do mesmo. E realizamos tudo nos conformes, tudo aconteceu de forma normal, sem sobressaltos. Tendo realizado o primeiro, o que faz o Fundo de Cultura do Estado da Bahia considerar o projeto inviável tecnicamente numa segunda edição projetada nos moldes da primeira?

8.2.f ”aderência aos objetivos do Fundo de Cultura da Bahia”

Realizamos o Teatro NU Cinema em abril deste ano. Em seis meses, deixamos de aderir aos objetivos do Fundo de Cultura da Bahia?

O Teatro NU acabou de realizar o “Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, ano I” através do Fundo de Cultura da Bahia. Foi um projeto que foi bem-sucedido, a ponto de me fazer pensar, imediatamente após o término dele, em projetar o “Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, ano II”. Fico com receio, agora, do projeto não ter mais valor artístico, nem viabilidade técnica e nem tampouco aderir aos objetivos do Fundo de Cultura da Bahia. Será que é proposital deste governo, para além de interromper projetos do governo passado, abortar idéias, que possam ter uma continuidade, surgidas durante sua própria gestão?

Com todo respeito que tenho a Ciro Nunes Sales, receber esse comunicado assinado por um menino sem nenhuma história na cultura baiana, que ficou responsável, de repente, pelo principal órgão de fomento às artes na Bahia – sabe-se lá pela indicação de quem – não sei se me deixa mais incomodado ou mais resignado.

Muitos fazem campanha pra que as leis de incentivo cada vez mais se enfraqueçam em prol de um Fundo de Cultura onde o estado tenha a decisão sobre os recursos, e não a iniciativa privada. O grande argumento é que a iniciativa privada só pensa no lucro, só pensa no retorno financeiro, só pensa em artistas de peso. E a gestão pública? Pensa em que? Pensa?

Viva Kafka, Beckett e Ionesco
Pimenta no dos outros é refresco.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Oropa, Chile e Ceará

A primeira semana de outubro foi uma semana muito especial pra mim e pro Teatro NU. Em exatos sete dias, estivemos em dois projetos que podem ter dado uma outra dimensão ao grupo.

Nos dias 5, 6 e 7 de outubro, realizamos o Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, evento que trouxe a Salvador o chileno Ramón Griffero e o espanhol Darío Facal, dois dramaturgos que tiveram seus textos lidos pelo Teatro NU, com a participação de atores convidados. No terceiro dia, lemos a peça Agreste, de um dramaturgo brasileiro que, no dia de seu debate, ligou alegando problemas de saúde na família e não veio ao evento, propiciando uma discussão com Claudio Simões, Marcelo Praddo e com a minha mediação, sobre dramaturgia contemporânea (e) baiana.

O evento, de caráter internacional, foi um pontapé inicial pra todos os anos consigamos – de uma forma ou de outra – realizar esses diálogos e botar a dramaturgia em questão, em xeque e em discussão.

Causou-me certo espanto a quantidade de alunos da Escola de Teatro presentes ao evento. Numa Escola onde circulam cerca de quatrocentos alunos por semestre, ver pouco mais de dez presentes me causou espanto, ainda mais levando em consideração que 90% dos que estavam ali tinham algum contato comigo, tendo sido meus alunos ou colegas. Da classe teatral de Salvador eu não esperava muito como na verdade nunca espero muito, seja em presença ou em reivindicações, debates e discussões. Tampouco esperava que fossem muitos professores, só me assustou que não fosse nenhum – com exceção de um que apareceu por alguns minutos e não voltou mais.

Já quero me articular pra pensar a ampliação do projeto com algumas mesas, um ou dois ateliês de dramaturgia, e quem sabe fechar ou iniciar com alguma apresentação do Teatro NU, pros dramaturgos conhecerem o grupo no palco, e o público que pode não ter visto muito ou tudo que fizemos ver também.

Após um breve descanso de um dia, viajamos dia 9 pra Fortaleza, no âmbito do Festival do Teatro Brasileiro – cena baiana. Este projeto, encabeçado por Sérgio Bacelar e co-produzido por Selma Santos, tem levado – num apanhado diversificado – parte do que vem sendo produzido em alguns estados para outros do Nordeste.

Assim, o FTB – cena baiana em Recife levou diversos espetáculos baianos para Pernambuco, o FTB – cena pernambucana trouxe tantos outros aqui pra Salvador, e assim, com várias edições, um panorama eclético foi apresentado do que vem sendo produzido por aí, Nordeste afora. Nessa etapa agora, Sérgio e Selma tiveram a hercúlea tarefa de produzir, concomitantemente, a cena baiana em São Luís e Fortaleza.

O Teatro NU viajou com Os Javalis, espetáculo que passou quase em branco por Salvador, e foi surpreendente a receptividade do público cearense. Ficou mais clara ainda a idéia que tenho de que o público soteropolitano é viciado. Há, em Salvador, nichos que têm seus preconceitos e posturas inabaláveis e vê-se nitidamente que o público espontâneo, aquele que sai de casa sem conhecer ninguém da peça, com o simples intuito de ver uma peça porque deu vontade, sentando num teatro pra assistir uma história, é algo escasso em Salvador.

O público cearense riu, franziu a testa, acompanhou a peça com a pureza de alguém que está ali pra ser espectador, e não cumprir uma tarefa social ou uma obrigação de classe. A reação da platéia confirmava isso, e a vontade de voltar a Fortaleza ficou bem grande.

Foi a primeira viagem do Teatro NU. E com um saldo positivo, após termos realizado um evento que, pros pouquíssimos que estivem presentes no Teatro Martim Gonçalves, deve ter servido para ampliar idéias, conhecer novas vozes, discutir conceitos. Ao menos pra mim o evento serviu pra isso.

Estamos ampliando fronteiras. Tom Jobim dizia que a saída pro artista brasileiro era o aeroporto. Espero que o aeroporto seja pra que possamos trazer gente, nos levar e nos trazer de volta a Salvador.

Espero que a nossa saída não seja uma passagem só de ida.

E que tenhamos um retorno.


GVT.

domingo, outubro 04, 2009

Diálogos com Mercedes, Griffero e a Latinoamerica


Tenho um projeto, já reprovado em edital, mas que ainda sonho em fazer, onde – de forma fragmentada – eu faria um passeio pela América Latina no século XX. Eu teria como base o livro “O século do vento”, de Eduardo Galeano, e como trilha as canções latino-americanas que marcaram a década de 70 e 80 por estes tristes trópicos.

Pensei, talvez, em usar apenas canções de Silvio Rodriguez e Pablo Milanés, mas alguns outros compositores, chilenos, argentinos, dentro outros, ficariam de fora. Ainda não sei. O que sei é que me incomoda profundamente que aquela união latino-americana – proporcionada pelos sucessivos golpes militares apoiados pelos Estados Unidos, receosos de que a idéia da Revolução Cubana se alastrasse pelo resto do continente – tenha se esvaído aqui no Brasil.

Morreu hoje uma das representantes dessa plêiade de cantores que modificou a canção e provocou o poder, emocionou oprimidos, enfrentou o duro golpe do cerceamento de liberdade, da igualdade de raças, povos e oportunidades, da fraternidade que continuou clandestina, mas pulsante, nas praças, nas canções, nos protestos.

Mercedes Sosa, com Leon Gieco, Chico Buarque, e tantos outros, representavam a idéia de uma América Latina unida, uma política endógena, natural e de acordo com as necessidades dessa mistura de etnias, crenças e tradições. E contrária ao capital norteamericano tão interessado nesse mercado, nessas matérias primas, nessa mão de obra barata.

É estranho que as pessoas não falem em Silvio Rodriguez como se fala em Madonna, é confuso pensar que a morte de Mercedes Sosa não nos abale como a de Michael Jackson. No fundo, é claro que entendo esse processo de massificação. Mas ainda me estranha que a massificação não pudesse ter caminhado para pontos positivos, como Walter Benjamin chegou a crer.

Até hoje me emociono quando ouço no disco ao vivo, gravado no estádio do Boca Juniors, Buenos Aires, a multidão cantando o vocalise de “Maria, Maria”, ao ver Milton Nascimento entrar no palco, para dividi-lo com Mercedes Sosa e Leon Gieco. Esse sentimento se perdeu. Não sabemos muito de nossos “hermanos” e nossa arte está cada vez mais dissociada.

Sei de estudos sobre teatro latino-americano em São Paulo, e o Oco Teatro, daqui de Salvador, acabou de realizar a segunda edição do Festival Latino-Americano de Teatro, mas efetivamente essa “liga” se desfez, dentre outras tentativas alijadas da grande informação.

De forma ainda tímida, nós, do Teatro NU, ao trazer Ramón Griffero para o “Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, ano I”, tentamos dar um minúsculo passo para que possamos dialogar entre nós. Junto com o espanhol Darío Facal – vindo pra cá numa parceria com o Instituto Cervantes – e Newton Moreno, poderemos discutir um pouco os rumos da dramaturgia no mundo e por que não em nosso imenso continente latino?

O governo Lula parece se interessar por firmar mais essas conexões, a despeito do julgamento pequeno-burguês dos leitores de revistas semanais que vêem (com os olhos das revistas) por trás dessa atitude, um posicionamento chavista; uma asneira monumental, visto que Lula se tornou a grande força política da América do Sul e ele, sim, é a referência – independente das críticas que se possa ter a seu governo – o que não vem ao caso, agora.

Pretendo dedicar um dos capítulos da minha tese de doutorado a um dramaturgo latino-americano, falando sobre a herança do Absurdo nalguma obra dele. Com o “Diálogos...”, pretendemos estreitar laços com a dramaturgia ao redor do mundo, e pra mim é muito especial a presença de um chileno – e do qual leremos um texto que poeticamente se refere ao golpe em seu país – enriquecendo junto a um pernambucano e um espanhol esse diálogo que – espero – possa se repetir todos os anos com diversas vozes e nacionalidades.

Mercedes Sosa se foi, levando consigo um pouco daquela América Latina partida, à espera de uma nova ordem continental. Foi-se como o unicórnio azul de Silvio Rodriguez, que ela cantou tão lindamente por mais de uma vez. Se alguém sabe dessa “Latinoamerica”, te rogo informação... Por aqui ficamos a passos curtos, sem Mercedes, conversando sobre teatro, dramaturgia a partir de amanhã, dia 5 de outubro, na Escola de Teatro da UFBA, e com a belíssima letra que ainda sonha, como todo grande artista da vida, com a utopia que sempre escapa, mas vivemos correndo atrás...

Mi unicornio azul ayer se me perdió
Pastando lo dejé y desapareció
Cualquier información bien la voy a pagar
Las flores que dejó no me han querido hablar.

Mi unicornio azul ayer se me perdió
no se si se me fue, no se si se extravió
Y yo no tengo más que un unicornio azul
Si alguién sabe de el, le ruego información
Cien mil o un millón yo pagaré
Mi unicornio azul, se me ha perdido ayer, se fue.

Mi unicornio y yo hicimos amistad
Un poco con amor, un poco con verdad
Con su cuerno de añil pescaba una canción
Saberla compartir era su vocación.

Mi unicornio azul ayer se me perdió
Y puede parecer acaso una obsesión
Pero no tengo mas que un unicornio azul
Y aunque tuviera dos, yo solo quiero aquel
Cualquier información la pagaré
Mi unicornio azul, se me ha perdido ayer, se fue.