segunda-feira, março 03, 2008

Depoimento da tradutora de Os Javalis para o italiano


Letizia Russo é dramaturga e tradutora.


A escrita de Gil Vicente Tavares pertence ao mundo dos pequenos milagres, que cada vez mais raramente acontecem, quando se enfrenta a leitura de muitas peças de teatro provenientes do mesmo mundo cultural, como pode ser a realidade baiana ou brasileira. Falo de pequeno milagre porque é uma escrita que, pelo estilo, objetos de pesquisa artística e humana, e pela forma, se coloca corajosamente longe das modas, do folclore, das supostas tendências da cena teatral ocidental. Aquilo que me atingiu, como autora e tradutora das suas peças, é a capacidade de manter vivos ao mesmo tempo dois ou até mais teatros dentro de uma escrita só: o uso dos personagens, da matéria teatral enquanto história, trama, desenvolvimento, é filtrado através dos óculos que o teatro do passado nos entregou, e a capacidade de Gil é usar esses tais óculos para reinterpretar o mundo em que nós vivemos, nós, agora, e aqui, de maneira nova, original no sentido etimológico do termo. Qualquer que seja a forma que Gil escolhe para representar e dar palavra aos seus personagens, ele consegue chegar perto daquele ideal de arte que Pavel Florenskij descreveu como caraterística fundamental da atitude do artista: «O artista, se encostando ao cânones artísticos universalmente humanos, encontra a força para configurar a realidade contemplada autenticamente, e tem a certeza de que a sua própria obra, se for verdadeiramente livre, nunca resultará como duplicado da de ninguém. Apesar disso, o objeto da sua preocupação não è a comparação com os outros, mas sim a verdade daquilo que está a descrever». Eis o pequeno milagre da escrita de Gil, e d'Os Javalis: consegue falar do presente eterno da humanidade com ironia, força, sem piedade, com uma solidariedade para com as misérias do nosso ambiente humano e cultural, e a capacidade de se fazer ouvir própria das crianças na sua pureza, e a capacidade de falar a todos, até às crianças.

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