quarta-feira, novembro 14, 2007

O longo amanhecer


“Amanheceu, mas pra gente é noite”. Esta frase boba, de um musical infantil inédito que escrevi com Cláudio Simões (quem sabe, Teatro NU...), foi a primeira coisa que me veio à cabeça ao sair da Sala de Arte do PAC-UFBA. Ainda um pouco baqueado (pena que não bachiado) pelo filme, só pensava na frase que dita pelo personagem da peça parecia ali caber tão bem pro nosso Brasil varonil.
A cinebiografia de Celso Furtado é um daqueles filmes que teriam que ser imprescindíveis, obrigatórios, bem como um maior conhecimento da sua obra.
Do alto da minha imensa ignorância, considerava-o como um daqueles caras interessantes que algum dia eu leria em alguma nota de rodapé ou em alguma citação furtiva, e acabei por me deparar com um homem de tamanha dignidade e estatura que, ao lado de pessoas como Darcy Ribeiro, Milton Santos e mais alguns poucos, merecem estar no panteão dos dignos e combativos intelectuais deste país.
Maria da Conceição Tavares, sua discípula (na foto, com ele), em depoimentos que emocionam pela paixão e amor ao homem enquanto pensador e intelectual, nos desvela a característica que mais me tocou e me parece ser a pedra de toque de quem adquire conhecimento. A capacidade de usar o pensamento e a teoria pra aplicar no agora, discutir o presente, ser pessoa ativa na mudança de conceitos, políticas, economia e pensamento. É coisa rara.
Embolorados em gabinetes, revistas e academias, o pensamento autofágico dos pesquisadores e teóricos brasileiros se perde em gráficos, críticas, análises passadas e masturbações filosóficas sem nenhuma aplicabilidade, na maioria das vezes. Não há um pensamento sobre o Brasil, sobre uma questão fundamental que Celso Furtado coloca: agimos sempre como subdesenvolvidos, pensando como subdesenvolvidos, nos resolvendo como subdesenvolvidos, e nisso nunca seremos desenvolvidos.
Após vasta experiência pela América Latina, Celso Furtado tentou pôr em prática seu pensamento, lutando contra as elites – cujo interesse é e sempre será a concentração de renda –, contra o capital estrangeiro e a “intervencionice” estadunidense, buscou uma política mais efetiva pro Nordeste, e sempre deu com os burros n´água. Aliás, os burros o jogaram pra escanteio. Sucessivas interrupções de seus ideais não fizeram Celso Furtado recuar. Foi um homem que lutou, criticou e combateu o que pensava ser equivocado para o país, e buscou pôr em prática.
O filme está em cartaz no circuito Sala de Arte. Acho fundamental conhecermos nossos grandes homens, pra saber o quanto somos pequenos, o quanto podemos crescer, o quanto que falta lutar.
Celso Furtado acreditava num longo amanhecer, Era um otimista. Contudo, “amanheceu, mas pra gente é noite”.
E a luta continua?

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