terça-feira, junho 19, 2007

Drama na Bahia

Por Gil Vicente Tavares
Não existe movimento, estilo, estética nem identidade no teatro que não esteja ligado à dramaturgia.
Isto não é uma tese que eu defendo, é uma realidade que nos acompanha ao longo de 2.500 anos de teatro europeu e umas poucas décadas de novas realidades ao leste e oeste do planeta.
Bem, para os incautos antiimperialistas e xenófobos de plantão, posso ter feito uma declaração duvidosa, mas me mostrem qual origem da nossa tradição teatral que não seja européia? Ah, vão ler A derrota do pensamento, de Finkielkraut, já é a terceira vez que recomendo...!!!
Mas, voltando ao foco, queria mostrar como uma pesquisa e um estilo na dramaturgia marcaram a cena e vice e versa. Basta dar uma pincelada rápida na história do teatro para vermos a forte associação da cena e do drama. Desde a tragédia grega, onde o texto era quase um evangelho recitado numa missa, numa encenação solene e ainda com ranços do ritual de onde se originou, até as peças expressionistas, onde o texto era um pretexto para expressões cênicas, quase que construído com o intuito de ser aproveitado como estopim para a encenação, a dramaturgia sempre dialogou com o momento da cena.
Vemos, então, Guarniere e Vianinha com o Arena, Tchekov com Stanislavski, Beckett com Beckett, Brecht com Brecht, seja da forma que for, uma relação sempre próxima e efetiva entre texto e cena.

* * *

O teatro profissional na Bahia surgiu buscando incentivar tudo, menos uma efetiva dramaturgia local. Lá pelos idos de 1950. Buscava-se na dramaturgia nacional e internacional a base para inovadoras encenações, numa terra ainda desacostumada a este nova realidade (infelizmente, continua assim...).
De lá pra cá, surgiram dramaturgos, mas sazonais e pontuais, ou até mesmo voltados para projetos específicos que poderiam ser a revolução dos alfaiates ou uma junção de piadas e músicas machistas.
Deste período surgem duas mulheres que batalham até hoje na área, Aninha Franco e Cleise Mendes.
Pouco depois, entra em cena Claudio Simões, e na rebarba dele mais alguns poucos. Trabalhando basicamente por encomenda, a dramaturgia baiana se via sempre requisitada para ser comercial. Ou comemorativa. Mas dificilmente experimental.
Para experimentalismos, ou buscas estéticas que não precisam deste rótulo muitas vezes maldito, os atores e encenadores buscavam fora daqui suas possibilidades, indo – muitas vezes – atrás de textos de qualidade duvidosa (mas de sucesso, o que é muitas vezes contraditório ou confirmatório).
Isso, obviamente, enfraquecia o pouco discurso que poderia se querer dizer no palco (são poucos os que pensam no discurso), enfraquecia a dramaturgia e minava a possibilidade de um diálogo mais concreto de tendências, estéticas e éticas na cena.

* * *

É com certo entusiasmo que vejo alguns basculantes (ainda não são, quiçá, janelas) serem abertos.
Alunos de direção da Escola de Teatro vêm procurando dramaturgos locais, a exemplo de Marcos Barbosa e Luis Sergio Ramos. Cacilda Povoas foi montada no Vila e está engatilhando um novo texto junto com Fernanda Paquelet. Claudia Barral escreveu uma peça para Deolindo Checcucci, este mesmo vindo sempre encenando seus textos, mais recentemente. Aninha Franco continua criando em seu reduto, o Theatro XVIII.
Outros tantos começam a aparecer ou tentar se firmar, mas a ausência de oficinas, diálogos sólidos sobre dramaturgia, pessoas minimamente capazes intelectualmente para exprimir opiniões através dos diversos veículos de comunicação, enfim, a carência de crítica no sentido mais abrangente da palavra, fazem com que surjam estrelas, mas sempre cadentes, sem solidez e possibilidade de continuidade. Dá uma impressão recorrente de fragilidade, fraqueza.
A impressão de as coisas na Bahia serem fogo de palha é muito por conta deste falta de debate e de uma efetiva associação dos criadores, artistas. Se dramaturgo não trabalha com diretor, imagine músico com artista plástico, dançarino com poeta, e tantas combinações que fizeram as artes darem claros exemplos de saltos evolutivos e estéticos?
Bem, e se a dramaturgia baiana, como um todo, fica ainda muito a desejar em alguns aspectos, lembremos que os palcos também não estão infestados de maravilhosas encenações. Ainda tem muito cego em tiroteio jurando que são fogos de artifício.

Não sei ainda que tipo de bicho é esse; a dramaturgia baiana. Mas as coisas poderiam estar piores.

GVT.

4 comentários:

Anônimo disse...

Pois eu insisto em minha pretensiosa tese: não precisa lançar mão de cinco séculos de dramaturgia eurocêntrica pra justificar a necessidade da gente incrementar a dramaturgia baiana!
O movimento de incentivo, troca, intercâmbio, oficinas dramatúrgicas é tão premente, tão urgente, tão necessário, quanto o de escolas de cenotécnica, de formação de atores, de cursos de direção... Sem textocentrismo, atorcentrismo, luzcentrismo, e principalmente egocentrismo (eu não ia deixar passar a piada óbvia...). Longa vida ao escritor teatral, mas não precisa se defender, caramba! Quem tá atacando?!
Beijos eucentrísticos
Jacyan

Anônimo disse...

Pois é, essa coisa de só escrever por encomenda (o meu caso) acaba desanimando. Eu, pelo menos, me desanimei. Principalmente quando o anseio de quem encomenda é ser comercial. Nada pior do que escrever pensando no que vai agradar ao público, pensando em ter um retorno "comercial". Teatro rende pouco em Salvador, sempre vai render pouco. E olha que eu já tive muito boas bilheterias aqui. Mas é pouco. Pensar em "agradar" o público só pra ter retorno financeiro é o primeiro passo pra ficar insatisfeito porque o dinheiro que vem não é esse balaco todo e satisfação como artista vai pro lixo. Adorei estar escrevendo a minha novelinha porque, se é pra escrever pensando em agradar o povão, tem que ser bem remunerado.

De qualquer forma, apesar de só ter escrito por encomenda desde 1994, posso dizer que quase tudo que escrevi, escrevi porque acreditava. Por isso, fiz questão de colocar os versos de Maysa como epígrafe de NADA SERÁ COMO ANTES: "Só faço o que gosto / E aquilo que creio". Quando parei de acreditar, quando parei de gostar do que tava fazendo, Deus foi bom e generoso e me mostrou outros caminhos.

Sim, a coisa poderia ser pior. Nossa dramaturgia não tem uma cara definida e nem sempre temos parcerias, mas poderia ser pior. Quando me preparava pro mestrado, fiz uma breve pesquisa sobre o que vinha sendo montado em Salvador e constatei que a maioria das peças era baiana. Isso é notável. Pra mim, pouco importa se tinham ou não qualidade. O bom é ver que cada vez mais tem se buscado um texto que fale como a cidade fala. E acredito que isto pode se traduzir tanto em um teatro mais experimental quanto em algo mais "comercial". Aí vai depender dos desejos de cada um, e dos seus medos e coragens tb.

Anônimo disse...

Particularmente gosto muito da dramaturgia feita na Bahia e suas produções, sou bairrista. Sei o quanto deve ser difícil por esses textos em cena, principalmente com "todo" o incentivo por parte das "grandes" empresas que podem patrocinar e não se sensibilizam por falta mesmo de cultura e medo, Independente da qualidade ou não, essas produções baianas merecem nosso aplauso. Essa discussão sobre a produção dramtúrgica baiana deve ser levada para outros setores (?), uma vez que as academias, local adequado para essas discussões, pouco fazem para que esse quadro tenha outro perfil e dimensão também. Já houve algum encontro, seminário, etc. em Salvador para se discutir a questão? Ou não é necessário? Acredito que temos dramaturgos aqui de uma qualidade incontestável, sendo comerciais ou não, que fazem, por milagre, um teatro de qualidade e com a nossa "cara", não deixando nosso teatro "calado".
Gostaria apenas de chamar atenção para uma dramaturgia ainda pouco ou quase nunca destinada ao público adolescente aqui na Bahia e acredito no Brasil como um todo. Penso que essa faixa etária é pouco atendida e estimulada a ir ao teatro porque falta uma dramaturgia que fale sobre o universo dela. Na verdade, o teatro dedica-se apenas ao público infantil e adulto e se esquece dessa faixa de transição que necessita de um teatro que os impulsione, que os tirem da frente de uma tela de TV ou computador, que os façam "pensar" artisticamente. Poucos são os adolescentes que frequentam o teatro porque não se sentem atraído pelas produções teatrais que não falam sobre suas necessidades ou ideologias. Desculpem, se eu estiver engando, corrijam-me, mas não vi nada ainda em Salvador para esse público, talvez o trabalho do Liceu ("Cuida bem de mim"). Falo isso porque trabalho com adolescentes (entre 12 e 16 anos) e ouço essa "queixa" ou "justificativa" para não gostar de teatro. Obrigado.

Anônimo disse...

Atualmente eu tenho mantido uma parceria criativa, respeitosa e muito enriquecedora com o diretor Gláucio Machado, que resultará no espetáculo "Como Almodóvar". Da mesma forma o diálogo com Rino Carvalho tem sido muito gratificante. É muito bom poder escrever e conversar com o diretor, eu tenho feito isso, aqui em Salvador. O Cordel do Amor sem Fim não teve uma montagem baiana, ainda, talvez tenha. Eu sinto é que a dramaturgia existe mais no papael do que nos palcos dessa cidade. O problema é mais esse, no meu caso em particular. Eu brigo pelo diálogo. E acho que, a passos muitos lentos, ele vem acontecendo. Esse blog é uma prova disso. O Dimenti fará um trabalho com vários dramaturgos locais.
Eu, como sempre, otimista para não morrer. E de olhos abertos.