domingo, junho 18, 2006

TEATRO É MODERNO

Especial 50 anos
Terceiro – Escola promoveu o trabalho sistemático de técnicas e o ideário do teatro moderno

Desde a década de 50, a Escola de Teatro vem criando na cidade um espaço para a promoção sistemática do ideário e dos procedimentos do teatro moderno. É bom sabermos que sob a rubrica ‘teatro moderno’ se agrupam diferentes teorias e práticas. Artistas diversos, de diversas nacionalidades, fizeram aquilo que se convencionou chamar de “era moderna da história do teatro”, como o francês André Antoine, o russo Constantin Stanislavski e o alemão Bertolt Brecht. Porém, por mais contraditórias que sejam as correntes e as questões propostas, uma particularidade pulsa em todas elas: o reconhecimento da autonomia da arte do encenador.

Na Bahia o empreendimento ocorreu, sobretudo, através das inúmeras montagens que colocaram sob o olhar do diretor, os elementos que compõem o espetáculo teatral: o desempenho do ator, a leitura do texto (clássico ou moderno), a iluminação, o figurino, a sonoplastia e a cenografia. Na Escola da Ufba houve este exercício de técnicas e textos de diferentes épocas, gêneros e lugares, em consonância com ‘um olhar’, que era do encenador.

O teatro moderno nasce com a recusa da tradição declamatória, do estrelismo dos primeiros atores e das convenções óbvias da interpretação do século XIX, buscando ‘naturalidade e autenticidade’ nos palcos. Questionava-se o indisciplinado ‘ator-criador’, aquele que manipulava as falas e o texto ao seu bel prazer, que determinava as marcações e a distribuição de móveis de acordo com sua própria posição no cenário. O que leva alguns historiadores a afirmar que o ator, agora sob controle, passa a ficar à mercê da ‘ditadura’ do diretor.

Grandes dramaturgos como Henrik Ibsen, August Strindberg e Anton Tchecov se debruçaram sobre as questões do seu tempo, levando para o palco textos que fazem parte hoje do imenso legado modernista. O que nos leva a pensar em outro frutífero debate que atravessa o século moderno: a importância do texto dramático na encenação. Seria ele um elemento entre os demais ou a própria razão de ser do espetáculo?

No Brasil, a historiografia convencionou como marco do modernismo nos palcos a montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, pelo grupo amador Os Comediantes, exibida em 1943, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Contudo, a encenação como arte autônoma será exercida sistematicamente apenas a partir da criação do Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo. A estética do TBC sobreviveu nas diversas companhias que se desdobraram dele, que souberam produzir um teatro cosmopolita de alta qualidade, atualizado e de bom gosto. Entretanto, para o crítico Yan Michalski, o que faltou a este teatro foi a capacidade de incorporar no seu trabalho a consciência de que ele estava sendo realizado no Brasil.O que pode ser demonstrado pela falta da dramaturgia nacional e da incorporação de outras camadas de espectadores além das tradicionais elites econômicas e culturais que já o freqüentavam.

Houve, nos primeiros anos da Escola de Teatro, uma série de críticas que retomavam às já realizadas ao TBC. Não são comentários que se façam sem algumas objeções. Já em 1957, a Escola de Teatro desenvolve série de atividades em ‘assistência ao jovem autor no Brasil’, como a criação de biblioteca, inclusive de textos de cordel, o curso de formação de autor e, a partir do II Seminário Internacional de Teatro, os cursos de playwriting com Stanley Richards. Além disso, oito textos de autores brasileiros são encenados apenas na primeira administração.

Daí que, para a percepção destes fundamentos, seja importante compreender melhor a atuação da Escola de Teatro na construção do rico cenário cultural que mobilizou Salvador em meados do século XX. Principalmente porque o idealizador de seu projeto, Martim Gonçalves, fez mais do que ‘encenar peças consagradas’ na província, então freqüente crítica à sua atuação. Reconhecemos, através de pesquisa direta aos jornais da época, que as atividades da Escola de Teatro promoveram, sim, um encontro entre o repertório erudito ocidental e a cultura popular nordestina.

Se Gonçalves apresenta à cidade, Albert Camus, Bertolt Brecht, Paul Claudel e Tennessee Williams, também publica artigos sobre teatro popular na imprensa local, monta o primeiro cordel na Bahia, forma um inédito museu de objetos do cotidiano e inusitada biblioteca com folhetos de cordel, isso além de organizar, ao lado da arquiteta italiana Lina Bo Bardi, a Exposição Bahia, na V Bienal de São Paulo.

Em 1961, ainda na cidade, mas já afastado do cargo após campanha da imprensa exigindo seu afastamento (encabeçada pelo animador teatral Adroaldo Ribeiro Costa, que publicava, nos anos 50, uma coluna neste jornal), Gonçalves presencia o questionamento de sua participação no evento paulista, através de um debochado artigo da página semanal Unidade, escrita pelos estudantes secundaristas e publicada também neste jornal. Contudo, sua autoria e concepção são atestadas por Lina Bardi, em carta-resposta, publicada na edição seguinte, em 11 de setembro de 1961.

A mostra da Bienal teria como fonte de inspiração uma outra singular exposição organizada por Gonçalves, na França, em 1957. O diretor da Escola de Teatro apresentou sob o título de Danças e Teatros Populares no Brasil um profuso material fotográfico e sonoro de forte viés etnocenológico, com exemplares do que chamou de teatro popular brasileiro: os jogos de capoeira e a Procissão do Bom Jesus dos Navegantes.

Segundo matéria publicada no Diário de Notícias, de 13 de abril de 1957, a exposição, com fotos de Marcel Gautherot e Sílvio Robatto (ambos apresentariam material na futura Bienal paulista), fazia parte do Festival do Teatro das Nações, com patrocínio do Centro Français du Théâtre e da Aliança Francesa. A matéria não deixa de ressaltar que a “Escola de Teatro pretende desenvolver o seu programa de ensino, formando novos técnicos para o teatro brasileiro e incentivando os autores dramáticos a entrarem em contato com as fontes de inspiração tradicional e popular”.

Como se não bastassem tais iniciativas, é também na Escola de Teatro que será reerguido o Rancho da Lua após 46 anos de inatividade. As músicas deste conjunto de origem popular, uma variante dos Ternos de Reis, serão mais tarde utilizadas por Gonçalves na encenação de Uma véspera de Reis na Bahia, de Arthur Azevedo. Também não causa surpresa que vejamos ecos das técnicas e debates propostos na Ópera dos Três Tostões e em Evangelho de Couro (texto escrito pelo poeta e jornalista Paulo Gil Soares a partir dos cursos de roteiro da Escola), na épica montagem de Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme marco do Cinema Novo, dirigido por Glauber Rocha e co-roteirizado por Paulo Gil.

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