terça-feira, novembro 21, 2006

Lendo Ortega y Gasset...

Ortega y Gasset me chegou pelo mesmo interesse que me fez chegar a Canetti; a análise do homem-massa, este imenso vácuo intelectual que domina os gostos, as razões, as finanças. Sem a piedade e o politicamente correto que inunda de babaquice o pensamento atual, Ortega y Gasset analisa a fundo o homem médio, o homem massa que teve sua ascensão com a burguesia, com o capitalismo, este homem que, segundo Arnaldo Hauser - em seu História social da arte e da literatura - passou a exigir uma arte mais palatável, mais acessível, que falasse de si.
Abaixo, alguns trechos que me remetem à peça, aos personagens, e por conseguinte à indústria cultural, à universidade, aos meios de comunicação, etc.:

"A característica do momento é que a alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõem em toda parte. Como se diz nos Estados Unidos: ser diferente é indecente. A massa faz sucumbir tudo o que é diferente, egrégio, individual, qualificado e especial. Quem não for como todo mundo, correrá o risco de ser eliminado. E é claro que esse "todo mundo" não é "todo mundo". "Todo mundo" era, normalmente, a unidade complexa de massa e minorias discrepantes, especiais. Agora, todo mundo é apenas massa.
Este é o fato formidável de nosso tempo, descrito sem se ocultar a brutalidade de sua aparência."

"... pensar é, queira-se ou não, exagerar. Quem prefere não exagerar tem que se calar; mais ainda: tem que paralisar seu intelecto e encontrar um modo de se imbecilizar."

"... tentei adotar um novo tipo de homem que hoje predomina no mundo: chamei-o de homem-massa, e ressaltei que sua principal característica consiste em que, sentindo-se vulgar, proclama o direito à vulgaridade e nega-se a reconhecer instâncias superiores a ele."

"Ter uma idéia é crer que se possui as razões dela e é, portanto, crer que existe uma razão, um mundo de verdades inteligíveis. Idear, opinar, é a mesma coisa que apelar para essa instância, submeter-se a ela, aceitar seu código e sua sentença, crer, portanto, que a forma superior de convivência é o diálogo em que se discutem as razões de nossas idéias. Mas o homem-massa setir-se-ia perdido se aceitasse a discussão, e instintivamente rejeita a obrigação de acatar essa instãncia suprema que se acha fora dele."

Trechos extraídos de A rebelião das massas, de José Ortega y Gasset (tradução de Marylene Pinto Michael, Martins Fontes - 2002).

Lendo Canetti...

"A repugnância ao matar coletivamente é de origem assaz moderna. Não se deve superestimá-la. Ainda hoje, pelos jornais, todos participam das execuções públicas. Como tudo, também isso fez-se apenas mais confortável. Sentado tranquilamente em casa, o home pode, dentre centenas de detalhes, deter-se naqueles que mais o excitam. A aclamação só se dá depois de tudo terminado; nem o mais leve vestígio de culpa turva o prazer. Não se é responsável por coisa alguma: nem pela sentença, nem pelo jornalista que testemunhou-lhe a execução, nem por seu relato, nem pelo jornal que publicou tal relato. Mas sabe-se mais a respeito do ocorrido do que em tempos passados, quando se tinha de caminhar e permanecer de pé durante horas para, por fim, ver apenas muito pouco. No público formado pelos leitores de jornal conservou-se viva uma massa de acossamento abrandada, mas, em função de sua distância dos acontecimentos, ainda menos responsável; conservou-se aí, é-se tentado a dizê-lo, a sua forma ao mesmo tempo mais desprezível e estável. Como sequer precise reunir-se, ela evita também sua desagregação; a repetição cotidiana do jornal a provê de varieadade."

Trecho de Massa e Poder (Tradução de Sérgio Tellaroli, Companhia das Letras - 2005), obra seminal de Elias Canetti, escritor búlgaro vencedor do prêmio Nobel em 1981. O trecho escolhido me fez lembrar muito de algumas questões concernentes à peça Os Amantes II.

domingo, outubro 15, 2006

TEATRO NU - apresentação

Aarrh! Como é cansativo para nossa geração começar qualquer coisa... É que daqui, deste pedaço insular da América do Sul, parece que paradoxalmente todos os projetos já foram feitos ou... Ainda aguardam serem inventados. Neste território atravessado por teorias, assistimos de camarote ao mito do ‘encontro das culturas’ e contemplamos a margem (ou o fim?) da Civilização Ocidental.

Afinal, o que nos resta?

Esta pergunta acompanha minhas conversas com Gil Vicente há uns quatro anos. Desde quando interpretei um de seus monólogos em Quartos, no Julho em Salvador. De lá para cá, fizemos muita coisa sozinhos, mas o projeto de criarmos um grupo, ou melhor, um ambiente para que algumas de nossas idéias em comum se fortalecessem, continuava.

Nosso reencontro na pós-graduação em Artes Cênicas da Ufba foi fundamental. Discutíamos (e muito) cada um de nossos projetos e a velha vontade persistia... Em junho deste ano, escrevi um ensaio para o A Tarde Cultural sobre os 50 anos da Escola de Teatro, e Gil Vicente foi um dos meus primeiros leitores. Concluímos que seria um estímulo abrir este debate num ambiente digital. Criamos um blog (http://teatronu.blogspot.com) e iniciamos o projeto Teatro NU.

Dando carne a este sonho, se integraram, generosamente, dois grandes atores do teatro baiano: Carlos Betão e Carlos Nascimento. Dois Carlos, dois mestres que, a cada ensaio de Os Amantes II, ensinam ao Teatro NU uma maneira nova de continuar amando o teatro.

A nudez, desta vez, não vem dos corpos nus expostos ao sol, mas da tentativa de ser simples e essencial. Daquilo que nos é essencial.

O Teatro NU acredita na força do texto e da dramaturgia. Pretende pesquisar e montar textos da dramaturgia clássica e contemporânea; assim como busca criar canais de debate entre autores locais com centros nacionais e internacionais que ainda acreditam neste “teatro da palavra”. Mesmo – ou exatamente – sabendo dos limites e impossibilidades impostos à palavra em todo teatro do século XX. Afinal, o que nos resta? Ora, vamos... Tanto você quanto eu sabemos que ainda temos muito que conversar.

Jussilene Santana


sábado, outubro 14, 2006

outro texto do PROGRAMA, por Rodolfo di Giammarco, crítico italiano

Seria interessante conhecer a possível reação de Sarah Kane à afirmação que a sua peça Blasted – com os mecanismos canibais de um “ele” e uma “ela” (e um soldado) na margem do caos – pode ter, entre as outra matrizes, a dos mecanismos de canibalismo verbal de um “ele” e uma “ela” (e só in extremis de um soldado), criados como exercício de estilo metafísico por Ionesco em Delírio a dois. Seria interessante, igualmente, conhecer a reação de Gil Vicente Tavares se alguém lhe dissesse que o seu ato único Os Amantes II, onde a cena e os diálogos são dominados por uma cópia do quadro homônimo de Magritte, está curiosamente ligado às digressões a partir do infinito discurso à volta de um quadro (branco, neste caso), ao longo da estrutura inteira da comédia Art de Yasmina Reza. Ou então seria interessante conhecer a sua reação se alguém lhe dissesse que a vontade-dependência-fetichismo de televisão do “ele”/marido pequeno burguês, nesta sua peça em três quadros, onde se chega a falar num «Cristo crucificado na televisão», está profundamente ligada à penúltima peça de Arthur Miller, Resurrection Blues, onde assunto de primária importância é a vontade patológica e consumista de ver a crucificação, na televisão, de um revolucionário conhecido como Che Guevara. Ou, ainda, seria interessante conhecer a reação de Gil Vicente Tavares, se alguém notasse que a fórmula da dinâmica de casal invadida por um terceiro estranho, que em Os Amantes II é um mecanismo-estímulo mais que uma intrusão-chave, tem semelhanças anômalas, mas substanciais, com autores como Harold Pinter ou Jon Fosse.
E a matéria inalcançável e implacável deste jovem autor brasileiro tem, como vocês perceberam, um horizonte imenso de semelhanças com autores importantes, e afinidades, ligações, causas-efeitos. Mas, como já eu tinha tido oportunidade de confirmar numa outra peça dele, é com uma certa parte do teatro não-figurativo de Eugène Ionesco que eu identifico (mais uma vez aqui, em Os Amantes II) um laço especial pelo tipo de linguagem e de estrutura: os mesmos modelos de desestruturação, a mesma crueldade amarga, o surrealismo e o minimalismo de comédia-paródia, e a banalidade da tragédia da vida. É suficiente pensar nos dois cônjuges pequenos & burgueses de Vítima do dever, de Ionesco, um pseudo-drama onde um policial chega de repente apenas perguntando qual é a pronúncia correta do nome do vizinho. Ou então é suficiente pensar naquilo que acontece na casa de A cantora careca, quando entra o capitão dos bombeiros, que anotou na sua agenda que numa certa hora, mesmo ali, devia rebentar um incêndio. Ou então, examinando a fala final de Os Amantes II, porque não se lembrar da Roberta II, escolhida por Jacques em Jacques ou la Soumission de Ionesco?
Cada vez que Gil Vicente Tavares se afasta do naturalismo, re-interpreta também os modelos do absurdo, os assuntos da crueldade, a vaidade do amor, a psico-patologia do quotidiano. O casal de Os Amantes II parece um casal lobotomizado, num futuro para-berlusconiano com a televisão grande manobradora da inutilidade dos homens: a televisão que deixa de funcionar é a própria vida que deixa de funcionar, e aí é que faz sentido a entrada de um estranho forçado a pedir, por esmola, uma horinha de programas televisivos. Mas nesta casa, a casa de Os Amantes II, até se chega ao pedido de trasfiguração dela por parte dele, para que ela se transforme em apresentadora do vídeo, porque a única coisa importante é conseguir reproduzir mais uma vez o ritual virtual, de parasitas.
É inevitável que da boca da personagem (filha de um poeta) saia o horror: não há luz no fim do túnel. Errado. Ela não viu aquele tal filme com Humphrey Bogart em que Bogey afirma, pelo contrário, que até na escuridão mais profunda há sempre uma pequena luz.

Rodolfo di Giammarco
Crítico do jornal La Repubblica e diretor artístico de vários festivais, entre os quais Garofano Verde, Trend e Under 13, di Giammarco foi um dos responsáveis pela ida de Gil Vicente Tavares a Roma em julho deste ano. Lá, foram lidos seus textos Os Javalis e Os Amantes II; ver informações mais abaixo.

sexta-feira, outubro 13, 2006

mais equipe técnica...


Eduardo Tudella, que fará a luz do espetáculo Os Amantes II, já de longa data vem trabalhando com o diretor Gil Vicente Tavares, sendo este o oitavo trabalho de parceria dos dois. Contando com a montagem de textos clássicos do teatro moderno e contemporâneo, a dupla já realizou peças como Quartett (Heiner Müller), Antes da reforma (Thomas Bernhard) e O despertar da primavera (Frank Wedekind, ver imagem acima).
Tudella é mestre em cenografia e iluminação pela New York University, professor da Escola de Teatro e vem atuando como iluminador de vários espetáculos da cidade, ressaltando aqui a constante parceria de Tudella com dois grandes diretores da cidade; Harildo Déda e Ewald Hackler. Com o último, a "luz" de Tudella está em cartaz no espetáculo Mestre Haroldo e os meninos.
Mais uma contribuição de peso para o Teatro Nu.

* * *
Outra boa contribuição para o Teatro Nu e para nossa peça de estréia, Os Amantes II, é Marcos Póvoas. Kico, como é mais conhecido, já fez a direção musical dos espetáculos José Ulisses da Silva (Viladança) e Candaces (Companhia de Teatro dos Comuns – RJ). Com este último, recebeu o Prêmio Shell 2003/2004 de Melhor Direção Musical.
Assinou a edição e/ou produção de documentários e curtas premiados como Marias do Charuto, Cega Seca (35mm), Caçadores de Saci, Vermelho Rubro do Céu da Boca, O Anjo Daltônico e Hansen Bahia (35mm).
Agora está com a gente...

* * *
Luz, som, ação...

quarta-feira, outubro 04, 2006

novas notas sobre a montagem...


O silêncio é fundamental na arte. O que faltou ser dito, pintado, ouvido, é justamente o espaço profícuo do apreciador da obra. É naquele instante mínimo que a pessoa refaz aquela arte, redireciona, redimensiona sua percepção.
Este espaço sagrado, que é o hiato, a abissal presença do nada, é onde estão ecoando a carga dramática, lírica ou épica da obra de arte.
Contudo, este nada não é propriamente o vazio absoluto. Assim como seria intragável uma água que fosse realmente insípida, inodora e incolor, o vazio momentâneo da obra artística deve estar permeado por todo o seu antes e/ou seu depois.
Sendo mais preciso. O silêncio de Galileu ao comer seus gansos (eram gansos?), o silêncio dos últimos quartetos de Beethoven, o silêncio das últimas obras de Picasso, o silêncio final de Sargento Getúlio, todos estes silêncios estão prenhes de significado pelo que o autor construiu, ou seu intérprete, ou – na melhor das hipóteses – ambos; o que nos leva a pensar na comunhão do resultado final de uma apresentação como um entendimento de criadores em torno de uma obra, e não em torno de seu ego ou satisfação.
Será, realmente, que Liv Ullman pensava em alguma coisa significativa na clássica cena do espelho, em Gritos e Sussuros, de Bergman? Mesmo que ela estivesse pensando no calo em seu pé, a atriz havia criado uma atmosfera com sua interpretação, com a fala do outro personagem, com a fotografia de Nykvist e a direção de Bergman, que aquilo ali acabou por se tornar sufocante, mesmo que pra ela não fosse (afinal, o poeta é um fingidor).
Já que falei de cinema, não posso deixar de lembrar de Tarkovski. Este cineasta russo trabalhava com os silêncios de forma quase sublime, deixando que o tempo da pausa se tornasse o nosso próprio tempo, o silêncio tornando-se nossa voz interior contracenando com a tela.
No teatro não podia deixar de ser diferente. Quem olha a foto acima, pode fazer várias leituras. Lendo o título da peça, já se impõe um limite. Sabendo do que se trata o texto, a redução mistura-se a uma mudança de perspectiva, e por aí vai.
Será, justamente, no antes e depois deste silêncio dos atores que o público achará os artifícios para puder ler a pausa. E nela deve se concentrar todo o peso ou leveza da ação. A anti-ação é muitas vezes mais dramática. O Teatro do Absurdo descobriu isso (e antes dele tantos outros, separadamente...). A angústia – muitas vezes – é mais avassaladora do que uma historinha bem contada, do que um discurso bem feito, do que uma ação arrojada.
É também na pausa que o objeto artístico, muitas vezes, se torna a pedra necessária às palavras, como diz João Cabral de Melo Neto, no poema Catar Feijão. Vale a pena lê-lo. É uma perfeita metáfora do incômodo que a arte deve trazer, pelo menos que a nossa arte, do Teatro Nu, pretende trazer.
Cada vez mais me comprazo com as pausas da nossa peça. São, muitas vezes, mais importantes do que o texto que eu mesmo escrevi. A pausa já é teatro, e as palavras ainda não; são apenas trilhas onde os atores vão criar seus caminhos.
É engraçado, pois elas incomodam mais aos atores do que a quem está assistindo os ensaios, que vê nas pausas o alívio e a angústia da cena. E por que não ter a pretensão de – nos silêncios – desvelar as verdades dos personagens para que os espectadores pensem nas suas próprias verdades? A palavra é a coisa. E o resto é silêncio...

GVT.

domingo, outubro 01, 2006

Texto do PROGRAMA, por Letizia Russo, escritora e tradutora de Os Amantes II

Se existe um dever do teatro contemporâneo, com certeza é a obrigação a não ser inócuo, nem confortável. Assumir e levar para frente uma reflexão o mais honesta possível. Nos anos em que vivemos talvez mais do que em qualquer outra idade, honestidade intelectual e desconforto do público (pra não falar da crítica, por sua própria natureza em eterno atraso no reconhecimento dos impulsos vitais da cultura e, ironicamente, sempre pronta a trocar vícios antigos por falsas novidades), andam, justamente, de mãos dadas.

A urgência da arte, e do teatro contemporâneo especialmente, é não mais nem menos do que aquilo que Aristóteles chamava à arte: uma atitude de procura da verdade. Aquilo que mais atinge em Os Amantes II de Gil Vicente Tavares é a sua capacidade desapiedada de retratar cada um de nós. Com um pequeno aperto no coração descobrimos que, nesses três personagens que andam perdidos nos poucos metros quadrados de uma casa, à procura do único contacto com o mundo que para eles é possível, há o retrato do nosso vizinho, do nosso amigo, do nosso familiar, até descobrirmos que é também de nós próprios que este texto fala.

Só podemos aceitar essa descoberta como um fogo que sara ou, então, recusá-la completamente. Nós, cada vez mais “livres” de atingir informação, diversão, crescimento, cada vez menos livres de distinguir entre um e outro, e de distinguir um e outro no seu próprio interior. Cada vez mais condenados a sermos governados por uma elite, de geração em geração mais oligárquica, elite de pessoas que terão em suas mãos as chaves da verdadeira cultura ou sabedoria, ou seja, a capacidade de discernir.

Nós, condenados, de regime em regime, de pseudo-democracia em pseudo-democracia, a votar em pessoas que do verdadeiro poder serão cada vez mais apenas a sombra. Mas Os Amantes II não é só uma peça política, apesar de que este elemento de reflexão não-ideológica e sem partido político está à base da peça.

Os Amantes II é um texto profundamente humano, cuja força poética está no seu esforço de universalização, na recusa da lógica das nações, do folclore, e longe também da crônica bruta: nesses três laivos de solidão é possível reconhecer uma humanidade ofendida, pisada e despida da possibilidade de procurar a felicidade, mas ainda digna, ainda capaz de gritar, ainda capaz, se só quisesse, de dar a vida.

Letizia Russo - autora italiana

Letizia Russo nasceu em Roma em 1980. Escreveu para teatro:

1. Niente e Nessuno (Una Cosa Finita), representado em 2000 em Castelnuovo di Farfa, no âmbito do festival “Per Antiche Vie" organizado por Mario Martone, então director do Teatro di Roma;
2. Tomba di Cani (Prêmio Tondelli 2001);
3. Asfissia, encomendada pelo "Festival di Candoni – ArtaTerme" (2002);
4. Binario Morto, encomendada pelo National Theatre de Londres (2004);
5. Babele, primeiro texto de uma trilogia sobre o poder.

Participou, em 2002, da International Residency do Royal Court de Londres. Escreveu para a rádio: I Conigli Sulla Luna, Lo Spirito Nell'acqua, La Via Del Mare, Qoèlet, Kilmainam Gaol, transmitidos pela Rai3 em 2002. Venceu em 2003 o prémio UBU como revelação do ano pelo texto Tomba di Cani. Foi escritora-residente nos Artistas Unidos, em Portugal, entre 2004 e 2005 com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.

Tomba di Cani estreou em 2001 na Saletta Gramsci do Teatro de Pistoia com participação em vídeo de Antonio Casagrande, encenação de Cristina Pezzoli, num produção do Teatro di Pistoia / Teatro del Tempo Presente. O espectáculo recebeu três nomeações (Isa Danieli, melhor intérprete feminina; Cristina Pezzoli, melhor encenação; Letizia Russo, melhor autor) para o Prémio ETI – Gli Olimpici del Teatro.

Fim de Linha (Binario Morto) estreou dia 8 de Julho no Royal National Theatre em Londres, na versão do Bath Theatre Royal Area, uma das catorze escolas de teatro inglesas que escolheram a peça entre as comissionadas pelo Festival Shell Connections. Os Artistas Unidos realizaram uma leitura no âmbito do Festival de Almada 2004 dirigida por Pedro Marques.

texto retirado do http://www.artistasunidos.pt/letizia_russo.htm

terça-feira, setembro 26, 2006

TEATRO NU ESTRÉIA EM OUTUBRO - OS Amantes II


Estréia no dia 26 de outubro, no Teatro do SESI, no Rio Vermelho, o espetáculo Os Amantes II, com texto e direção de Gil Vicente Tavares. No elenco, Carlos Betão, Carlos Nascimento e Jussilene Santana. A montagem é a primeira encenação do nosso Teatro NU, um grupo que visa pesquisar a dramaturgia clássica e contemporânea, assim como desenvolver projetos que aprimorem a escrita de dramas em nossa cidade.

O cartaz de Os Amantes II é assinado pelo artista plástico baiano Gaio, que futuramente será responsável pela estética do blog do nosso grupo(http://teatronu.blogspot.com). Gaio foi um dos artistas recentemente contemplados pelo Projeto Trajetórias-2006, com seleção nacional da Fundação Joaquim Nabuco.

SINOPSE - A partir de uma televisão quebrada, um casal discute sua realidade como nunca haviam feito. Religião, arte e relacionamento a dois, são alguns dos temas que surgem no embate entre os dois amantes. A situação se torna insustentável quando um técnico em aparelhos visita a família.

SERVIÇO - Os amantes II - texto e direção de Gil Vicente Tavares. Com Carlos Betão, Carlos Nascimento e Jussilene Santana. Cenário e figurino de Euro Pires. Iluminação de Eduardo Tudella. Projeto de imagem do Teatro NU e do cartaz por Gaio. Uma produção de Sandro Barral. Teatro Sesi – Rio Vermelho, só as quintas, sempre ‘as 21h. Ingresso R$16 (inteira). Estréia 26 de outubro e segue até final de novembro.

domingo, setembro 24, 2006

Notas sobre a montagem de Os Amantes II


Cada vez mais eu percebo que o que difere o teatro da dança e da performance é justamente a busca de um teatro mínimo. Este termo, que não sei se foi usado anteriormente – mas pela obviedade deve ter sido – significa trabalhar o pequeno, o íntimo, a entrelinha do que se pode dizer.
No meu atual processo de montagem, estou me deparando com um processo inteiramente novo, que é dirigir uma peça minha, em caráter profissional. A insegurança de me limitar na criação pelo fato de eu ser o autor foi substituída pelo prazer de – trabalhando com três atores generosos, talentosos e dispostos – buscar no mínimo, no íntimo, aquilo que o teatro pode fazer melhor do que ninguém: transformar o verbo em carne.
Não sou daqueles puristas que pensam um teatro pobre, sem imagens, e a prova disso foi minha última montagem, no Vila Velha, de clássico de Wedekind, O Despertar da Primavera (conferir foto da montagem acima). Contudo, nada é mais “teatral” do que este jogo íntimo dos atores. Nada substitui o trabalho incessante de criação de cenas, de atmosferas a partir da dissecação de um texto, de uma palavra, de um diálogo.
As imagens podem funcionar, emocionar e entreter, mas penso que a força do teatro não está nisso, e sim no seu poder de seduzir pelo gesto, pela palavra. Instalações podem dizer muito, coreografias também, e a imagem está à disposição delas, mas este trabalho íntimo do ator é sua pedra de toque.
Percebo que cada vez mais eu procuro este teatro mínimo. Mesmo no Despertar, a despeito de luzes, panos e formas, foi no trabalho delicado e dedicado com o ator que tentei despetalar o texto de Wedekind. É isto que pra mim é o mais importante do teatro. É nisto que está sua magia.
A espetaculosidade dos nossos dias, com filmes fantásticos, espetáculos suntuosos e propagandas mirabolantes, faz com que nosso olhos se viciem na imagem e esqueçam o conteúdo, o que está sendo dito, e, principalmente, como está sendo dito. Foucault já dizia que a palavra é a coisa. No teatro, ela é a essência. E não me venham com história de mímica. O gesto é a palavra deste teatro; e tem que ser bem dito.
Gostei deste termo: teatro mínimo. Mais do que essencial, mínimo. Penso ser esta a arte que o Teatro Nu procura. No mínimo.

GVT.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Sandro Barral - Produtor


Sandro Barral não é só o produtor do espetáculo Os Amantes II, como vestiu a camisa do Teatro NU. Com ele, temos inúmeros projetos e propostas de parcerias. 2007 que nos aguarde! Sandro trabalha na Fundação Cultural do Estado da Bahia e tem experiência na produção de peças, como O que de longe parece ser um verso em branco, de autoria de Claudia Barral (que não é sua irmã!)

Liliana Matos - Assistente de Direção


Liliana Matos, nossa assistente de direção, é licenciada em Teatro pela Ufba. Atualmente, é professora de Dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Liliana já participou de espetáculos como atriz e dançarina. Também está sendo responsável pela preparação corporal do elenco.

Ensaios no Pátio do ICBA

Os ensaios acontecem no agradável ambiente do pátio do ICBA (Instituto Goethe) numa parceria com o Goethe Café.

Euro Pires - Cenografia e figurino


O cenógrafo e figurinista Euro Pires, nome bastante atuante nas artes cênicas de Salvador, integra a equipe de Os Amantes II.
Entre outros trabalhos, Euro assinou os cenários de Vixe Maria - Deus e o Diabo na Bahia, Irmã Dulce e Um dia, um sol, com este trabalho ganhou o prêmio de melhor cenário, no Festival Universitário de Blumenau.

Um ensaio com toda EQUIPE


A foto ao lado mostra um dos nossos primeiros ensaios. Sandro Barral, nosso produtor, está de camisa laranja. No sentido horário, estão o diretor Gil Vicente, o ator Carlos Nascimento e, de costas, o cenógrafo e figurinista Euro Pires.

Os Amantes I, de René Magritte

Os Amantes II, de René Magritte

quarta-feira, setembro 13, 2006

EQUIPE - ATORES


Carlos Betão é um dos mais atuantes atores de sua geração, tendo participa de inúmeros filmes e peças. Em Salvador, atuou nas montagens de Os Iks e O Sonho. Foi duas vezes indicado como melhor ator coadjuvante pelo Prêmio Copene de Teatro (atual Braskem), pelas peças Baal (Bertold Brecht / Harildo Deda) e A Vida de Galileu (Brecht/Elisa Mendes). Vale destacar também sua atuação na televisão (Marcas da Paixão, na TV Record) e no cinema (Memórias póstumas de Brás Cubas, direção de André Klotzel).

Carlos Nascimento atuou em grandes montagens que povoam o imaginário das artes cênicas de nossa cidade, como Eduardo II, A noite das tríbades e Tango. Recebeu, ao longo de sua carreira, vários prêmios como ator, entre eles o Bahia Aplaude, em 1996, com o espetáculo Noite Encantada, sob a direção de Ewald Hackler.

A mestre em artes cênicas Jussilene Santana é atriz premiada pelo Braskem (2005), com Budro e, como jornalista, recebeu os prêmios de melhor reportagem pelo Banco do Brasil (2002) e ABI (2003), entre outros. Foi indicada ao Braskem de teatro (2004) pelo seu desempenho em As lágrimas amargas de Petra von Kant, com direção de Elisa Mendes. Interpretou A mulher de Roxo, no primeiro episódio televisivo do POTE.

TEATRO NU em ROMA

Em julho deste ano, o texto Os Amantes II (Gli Amanti II) de Gil Vicente Tavares, do nosso Teatro NU foi lido na Itália, numa oficina de intercâmbio de dramaturgia entre Roma e Salvador, organizada pelo Teatro della Cometa, com direção artística de Franco Clavari. Os participantes da oficina foram: Gil Vicente Tavares, dramaturgo e diretor; Pietro Bontempo, diretor e ator; Letizia Russo, autora, traduziu os textos de Gil Vicente Tavares; Giuseppe Antignati, Crescenza Guarnieri, Paolo Giovannucci, Antonio Ianniello, atores. Na ocasião, ainda foi lido outro texto de Gil Vicente, Os Javalis (I Cinghiali), tendo a mostra curadoria de Rodolfo di Giammarco, crítico do jornal la Repubblica e diretor artístico de vários festivais, entre os quais Garofano Verde, Trend e Under 13.

domingo, agosto 20, 2006

Homenagem aos 50 anos de morte de Bertolt Brecht

Homenagem aos 50 anos de morte de Bertolt Brecht

A Leitura Dramática de "A Cruz de Giz" de "Terror e miséria do 3° Reich" no ICBA foi um sucesso! Confiram um trecho abaixo:

domingo, junho 18, 2006

OS TRÊS FUNDAMENTOS DA ESCOLA DE TEATRO

Especial 50 anos
Por Jussilene Santana

ARTIGO DE ABERTURA
No próximo dia 13 de junho, a Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia comemora 50 anos. Em meio século de história, se tem muito para contar desta unidade que formou nomes de projeção nacional como Sônia dos Humildes, Othon Bastos, Geraldo Del Rey, Helena Ignez, Harildo Déda, Nilda Spencer... Muitos deles atuantes no Cinema Novo. E que, mais recentemente, projetou nomes televisivos como Wladimir Brichta e Wagner Moura. Quantos professores e diretores não passaram pela instituição? Quantos alunos nela não se formaram? Anônimos nacionais ou famosos locais, todos fizeram com que estes 50 anos de Teatro fossem possíveis.

Apesar disso, a proposta deste ensaio é ressaltar - mais do que nomes – idéias e ideais. Afinal de contas, os valores é que são eternos, podendo reencarnar (ou não) em homens perecíveis. E teatro é arte coletiva, num só artista reconhecemos todos os outros que o formaram. O texto não pretende contar a história destes 50 anos – uma empreitada ainda a ser defendida –, mas investiga, nos seus cinco primeiros anos, os fundamentos que lhe movem. Um busca por princípios, no princípio.

O ensaio parte da criação da Escola de Teatro, em 1956, e arrisca levantar três pilares fundamentais que dariam o significado e o caráter desta empreitada, ainda hoje única em relação a outras iniciativas do Brasil: o teatro é prática; o teatro é profissão; e o teatro é moderno.

No livro Avant-garde na Bahia, Antônio Risério relativiza o papel pioneiro da Escola de Teatro. Para tanto ele se baseia nos comentários reacionários publicados pela imprensa contra o projeto de Martim Gonçalves. Tendo como base um levantamento de mais de duas mil fotos e matérias sobre o período, tento resgatar episódios que a crítica “esqueceu” de relatar e que dão a profundidade do diálogo que a Escola empreendeu entre as linguagens internacionais e as tradições populares. Diálogo com o objetivo único de transformá-los em ‘peças para o público’.

Nota-se, para além dos anos, que da Escola exigem-se ações que, como instituição, ela não se dispôs a realizar. A Escola se propõe a ensinar métodos e técnicas. Mas, assim como ela é a mãe do teatro baiano, nela também recaem as origens e as causas de todos os males das artes cênicas locais. Veremos que isto acontece porque, ao contrário de suas congêneres do país, ela se insere entre as produtoras de peças profissionais do circuito. Grande agente de um estado pobre em políticas culturais, a Escola se torna uma real possibilidade para a viabilização de projetos na área. Fora dela ou, sem seu apoio, as coisas ficam ainda mais complicadas. Daí que tantas idéias a circundem.

Em paralelo a isso, como as demais unidades da universidade brasileira, não há mais unidade de pensamento no corpo de professores que compõem seus quadros. Ou melhor, não há UMA Escola de Teatro. Há várias. Cada uma delas, contemporaneamente acionando tradições e técnicas diferentes, contudo, com um PASSADO em comum. Para além destas questões, uma coisa talvez seja certa: só iremos encontrar nela nos próximos 50 anos, aquilo que formos capazes de lhe dar.

Jussilene Santana é atriz, jornalista e mestre em Artes Cênicas pelo PPGAC/Ufba. Defendeu dissertação sobre a cobertura jornalística do teatro na Bahia, entre os anos de 1956 e 1961. Melhor atriz pelo Prêmio Braskem de Teatro 2005 e Prêmio Banco do Brasil de melhor reportagem em 2002. junesantana@ig.com.br

TEATRO É PRÁTICA

Especial 50 anos
Teatro Se Aprende Fazendo Teatro

“Encontra-se nesta capital o Sr. Martim Gonçalves Pereira, que vai organizar e dirigir a Escola de Teatro da Universidade da Bahia, cujas aulas terão início no próximo dia 15 de agosto, estando as matrículas abertas na Avenida Araújo Pinho, 12. Além do ensino da arte dramática, a referida escola formará também um grupo de teatro que, logo de início, contará com a colaboração dos profissionais Ana Edler e Antonio Patiño”.

Assim o jornal A Tarde anunciou a criação da Escola de Teatro, da então Universidade da Bahia, em nota do dia 10 de agosto de 1956. O que é particularmente notável no trecho acima é como ele já antecipa os múltiplos papéis que marcarão a desempenho do Casarão do Canela nos próximos 50 anos. Em primeiríssimo lugar, aquele que marca sua peculiaridade em relação a outras escolas no Brasil: a idéia de que “teatro se aprende fazendo”. Para o fundador e primeiro diretor da Escola, o pernambucano Eros Martim Gonçalves Pereira, teatro era uma prática que se aprendia em cima do palco, através da troca contínua entre atores profissionais, professores-artistas e alunos.

Alimentavam esta premissa: sua experiência como co-fundador do Teatro Tablado, junto com Maria Clara Machado, trabalhando aqui parte do repertório montado com ela no Rio de Janeiro; sua livre inspiração na rotina da Escola de Arte Dramática (EAD), ligada ao Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo; seu conhecimento da estrutura de escolas de teatro americanas (que pregava a autonomia total, inclusive de verbas, para estas unidades); e as técnicas de atuação do Actor’s Studio, em Nova Iorque, que deram o viés stanislavskiano-naturalista à formação dos primeiros atores.

Dois semestres antes da fundação da Escola, Gonçalves vinha se familiarizando com a cidade através da realização de cursos livres de teatro. Suas aulas aconteciam no subsolo da Reitoria, na Escola de Enfermagem e na Residência Universitária. A Escola de Teatro será criada a partir da aquisição do Solar Santo Antônio – que inclusive havia pertencido à família do escritor baiano Dias Gomes – como sede da unidade e antiga residência do diretor e professores. Já na época, convencionou-se que o dia 13 de junho seria a data de aniversário da Escola, em homenagem ao padroeiro do antigo casarão.

Antes da Escola, o teatro em Salvador se resumia às atividades de grupos amadores que se revezavam nos raros palcos da cidade, como o Teatro do Iceia, o Cine-Teatro Guarani (atual Glauber Rocha) e o teatro do edifício Oceania, além de espaços cedidos por escolinhas, clubes e paróquias. Trabalhando sem apoio, sem público, sem recursos técnicos ou formação, o movimento começara a despontar na década anterior, quando se intensificaram as transmissões de rádio-teatro, com radio-novelas patrocinadas por produtos de beleza. A cidade recebia eventuais companhias em turnê, enquanto os amadores se exibiam uma ou duas vezes ao ano, geralmente encenando operetas, comédias e peças infantis, em ambientes com quase nenhuma estrutura profissional ou mesmo em suas residências.

O Teatro de Amadores de Fantoches e o Teatro de Cultura da Bahia fugiam um pouco à regra, buscando apresentar textos mais representativos do repertório clássico e moderno, mas sem conseguirem dialogar com as inúmeras tradições de encenação e atuação que já sacudiam as artes cênicas no resto do país. Os amadores baianos se queixavam de que nada mais acontecia porque a cidade não possuía mais teatros. Nesta época, também eram comuns, como ainda o são em municípios do interior, as apresentações de peças religiosas patrocinadas pela prefeitura durante a Semana Santa e Natal.

Em meados dos anos 50, a Bahia acabara de ingressar no fluxo do capitalismo moderno, com as atividades advindas da extração petrolífera, e sua elite se revezava no poder enquanto aspirava uma cultura de academias, valorizando a oratória rebuscada e o conhecimento de aparência enciclopédica. Ainda sem a chegada da televisão (que, em Salvador, acontece em novembro de 1960, com a criação da TV-Itapoan), a diversão se resumia ao cinema, ao rádio, ao passeio na Rua Chile, à conversa com amigos e os raros banhos de mar.

Diante deste cenário, a Escola de Teatro surge como um projeto arrojado, com objetivos inter-relacionados: divulgar a dramaturgia clássica e moderna, através de suas encenações-modelo e, numa junção entre teoria e prática, formar artistas profissionais (atores, diretores e técnicos) e público nos mais atuais métodos e técnicas teatrais e cinematográficas. Até a inauguração do Teatro Santo Antônio, atual Teatro Martim Gonçalves, em 26 de abril de 1958, com a peça Senhorita Júlia, de August Strindberg, Martim Gonçalves enfrentaria o velho problema da falta de teatros com uma atitude do Teatro Moderno: utilizando espaços alternativos afinados com o estilo e o tema das encenações. É assim que o vemos apresentando os primeiros espetáculos da Escola, o medieval português Auto da Cananéia, na Igreja de Santa Tereza, o baile pastoril O Boi e o Burro a Caminho de Belém, de Maria Clara Machado, no parque da Reitoria, e A Via Sacra, de Henri Gheon, no Cruzeiro de São Francisco.

É realmente através da montagem de espetáculos que se processa a grande contribuição da Escola para a atualização das artes cênicas na Bahia, com repercussões no ambiente cultural nacional, fornecendo atores e técnicos para o cinema e para a TV. A primeira administração (1956-1961) monta este projeto didático e encena 24 peças, dirigidas por cinco encenadores, além do próprio Gonçalves: Gianni Ratto, um dos co-fundadores do Piccolo Teatro de Milão; Charles McGaw, diretor e escritor americano; Herbert Machiz, diretor do Artist’s Theatre, um dos mais importantes teatros experimentais americano; Antonio Patiño, diretor e ator carioca; e Luis Carlos Maciel, encenador e autor gaúcho, antigo diretor da Escola e hoje colaborador de novelas da Record.

Através da integração entre os cursos da unidade (interpretação, direção, cenografia e traje), e num árduo processo de ensino e prática, Gonçalves exibe os mais diversos autores do repertório mundial, iniciando seu projeto com o medieval português de Gil Vicente até o modernismo contemporâneo do japonês Yukio Mishima, sem esquecer a atualidade da Ópera dos Três Tostões, de Bertolt Brecht e o pioneirismo de Calígula, de Albert Camus, sendo a primeira vez que o autor francês é encenado no país. Parodiando o slogan do governo JK, Martim Gonçalves apressa o passo do teatro baiano e tenta fazer quinhentos anos em cinco, mostrando à cidade o que de melhor havia sido produzido pela dramaturgia universal. Cabe ressaltar que, apesar de ligados a uma estrutura universitária, estes cursos foram profissionalizantes e livres até 1963, quando se formalizou o curso de Direção Teatral. Apenas em 1983, se institucionalizaria o Bacharelado em Artes Cênicas, agora com habilitação em interpretação.

Nas décadas de 60 e 70, em paralelo à Ditadura, a Escola, como toda estrutura universitária, enfrentaria sérias dificuldades administrativas e financeiras. As verbas para espetáculos passam a ser raras, como o são para toda a produção cultural. Dependente, sobretudo, do patrocínio do governo, o teatro baiano como um todo entra em paralisia, em 1984, com a administração de Olívia Barradas, na Fundação Cultural do Estado. Década difícil em que o Teatro Castro Alves esteve fechado e o Teatro Vila Velha ficou acéfalo, com a morte de seu primeiro líder, João Augusto Azevedo.

Não fosse a criação da Companhia de Teatro da Ufba, em 1981, com a volta do ator e diretor Harildo Déda após mestrado nos EUA, ‘aprender teatro fazendo teatro’ nestes anos seria ainda mais difícil. A Companhia monta a resistência na Escola de Teatro e estréia com Seis Personagens à Procura de um Autor, de Luigi Pirandello, trazendo espetáculos que ainda povoam a memória de artistas baianos, como Caixa de Sombras, de Michel Cristopher, A Caverna, de Walter Smetak, e Em Alto Mar, de Slawomir Mrozek.


Seu objetivo era encenar textos de qualidade dramatúrgica, sem evidente apelo comercial e com elevado nível técnico. Diferentemente d’A Barca, primeiro grupo da Escola, a Cia de Teatro da Ufba não é formada por elenco fixo, contando com atores convidados, diretores e alunos. Em 2006, a Companhia faz 25 anos, tendo produzido até o momento mais de 30 espetáculos. Ao lado de Déda, o diretor e cenógrafo Ewald Hackler é o responsável pelo maior número de trabalhos. Sua última montagem, o texto Arte, de Yasmina Reza, ganhou o Prêmio Braskem 2005, de melhor espetáculo, direção e ator, para Gideon Rosa, e vem sendo exibida em cidades do interior baiano. E a Escola exibe muitos outros prêmios em sua secretaria.

Diante deste fundamento prático, causa preocupação que o Teatro Martim Gonçalves esteja fechado para reformas há quase seis anos. Em paralelo à generalizada falta de verbas para a área, não é à toa o clima morno da cena teatral baiana dos últimos tempos. O trabalho dos alunos, sempre aberto e gratuito à comunidade, ficou restrito a uma sala experimental, interna à Escola, a Sala Cinco, que ainda promove o projeto Ato de 4. É inquietante que uma turma de alunos já tenha se formado sem passar pelo seu palco, verdadeiro coração teatral da cidade, e mostruário de novos talentos. Resta-nos a expectativa pela finalização das obras em curso, após a liberação de uma nova leva de recursos federais.

TEATRO É PROFISSÃO

Especial 50 anos
Escola de Teatro é marco da primeira onda de profissionalização do estado

A questão da profissionalização em Salvador se coloca muito mais no sentido técnico-formal. Isso acontece porque aqui não há mercado estável para a recepção da mão-de-obra capacitada, formada pela Escola de Teatro ou, mais recentemente, por outras faculdades e cursos profissionalizantes. Em resumo, são profissionais porque formados para esse exercício, mas não porque consigam sobreviver de sua arte, sendo que, ainda hoje, muitos atores e diretores precisam se revezar em outros empregos – sobretudo no ensino – para continuar atuando.

Posto isso, a Escola é marco na primeira onda de profissionalização do teatro, visto que é apenas após sua criação que se reconhece, na capital, o trabalho em teatro como um campo autônomo, profissional e artisticamente. O artista de teatro passa a ser reconhecido como um profissional como outro qualquer, que domina competências e habilidades particulares e que apresenta um serviço que deve ser remunerado, não sendo mais um diletante que vê na atividade um passatempo social. A Escola de Teatro fez do trabalho com arte, apesar das contingências, um sonho possível.

Há 50 anos, Martim Gonçalves fez ainda uma peculiar contribuição para a profissionalização do teatro na cidade, inserindo indubitavelmente a Escola de Teatro entre as unidades produtoras de peças para o circuito profissional. Ou melhor, criando este próprio circuito. Até hoje, as montagens de professores e alunos não ficam presas apenas ao ‘público universitário-acadêmico’ e ao ‘público formado por amigos-parentes’. Isso acontece mesmo com as montagens didáticas e encenações de final de curso, que sempre visam o contato com a comunidade.

Isso é o que diferencia a Escola de Teatro baiana das demais escolas brasileiras, já que suas produções estão, de certa maneira, inseridas no 'mercado possível’. Até a atualidade, o teatro baiano irá se debater com estas contradições na sua estrutura profissional de trabalho. Fora esta peculiaridade, a questão da colocação de artistas formados no mercado é um problema central nas escolas de teatro pelo país, não fugindo a Escola de Teatro da Bahia à regra.

É curioso quando lembramos que o venerável eixo Rio/SP da cena teatral também existe há pouco mais de 50 anos, quando da criação do Teatro Brasileiro de Comédias (TBC), em São Paulo, em 1948. Até então, esta cidade não tinha teatro profissional, mas apenas alguns grupos amadores, ficando a mercê dos espetáculos que viessem de outros países ou da produção carioca. Apenas oito anos depois do TBC, a Bahia também sonhou em ter o seu pólo de produção teatral.

A criação de uma Escola de Teatro, em 1956, na então Universidade da Bahia fazia parte de um programa arrojado empreendido pelo reitor Edgar Santos. Seu projeto para a superação do atraso baiano pregava a necessidade de convergência entre o poder econômico e cultural. Tal projeto de cultura, capitaneado pela Universidade, compreendia, entre outras iniciativas, a criação dos Seminários de Música (1954), com a vinda do maestro austríaco e ex-professor de Tom Jobim, Hans Joaquim Koellreutter, da criação da Escola de Dança (1956), que já nasce Contemporânea com a polonesa Yanka Rudzka, da incorporação da centenária Escola de Belas Artes e da criação da Escola de Teatro. Até hoje, a Universidade Federal da Bahia é a única no país que reúne as quatro expressões artísticas no ensino superior. Também foram criados, o Centro de Estudos Afro-Orientais (1960), com o português Agostinho da Silva e o Museu de Arte Moderna da Bahia, então Mamb (1960), com a italiana Lina Bo Bardi, que mais tarde faria o magnífico projeto do MAM-SP, na Avenida Paulista.

Já nos cinco primeiros anos da Escola contabilizamos diversas conquistas: a aquisição do Casarão-sede, a inauguração de um teatro em 1958, a criação da companhia A Barca (1956-1963), a contratação de professores nacionais e estrangeiros, a organização de dezenas de cursos extracurriculares e a efetivação de um raro convênio com a americana Fundação Rockfeller destinado para a instalação do primeiro sistema elétrico de iluminação para um teatro da cidade. Mais tarde esta parceria com os americanos seria criticada por intelectuais e artistas nacionalistas.

Mas é também na primeira administração que se encenam textos de autores nacionais (oito dos 24 montados), entre eles um baiano, Cachorro Dorme na Cinza, de Ecchio Reis. Este texto, juntamente com Graça e Desgraça na Casa do Engole Cobra, de Francisco Pereira da Silva, foram as primeiras iniciativas de encenação de cordel na capital. A literatura de cordel (adaptada dramaturgicamente ou não) será desenvolvida de forma mais sistemática, com a Sociedade Teatro dos Novos, primeira companhia profissional da cidade.

Nas décadas de 70 e 80 outros fatores vão influir nas condições de possibilidade de um mercado cultural no estado. A reforma universitária patrocinada pela Ditadura Militar, em 1969, orientada pelo espírito cientificista do acordo MEC/USAID, provoca uma queda na produção cultural da instituição, que a partir de então passa a se chamar Universidade Federal da Bahia. A débâcle é sentida especialmente na área de artes, letras e humanidades. As antes cultuadas escolas de Dança, Teatro e Música perdem a autonomia e são transformadas em departamentos da Escola de Música e Artes Cênicas. Somente, em 1988, elas voltariam a ser novamente independentes. A produção continua apesar das imposições da estrutura acadêmica serem muitas vezes insensíveis às sutilezas da criação artística.

Tais modificações acontecem em paralelo ao desenvolvimento da comunicação mediatizada, pedra-de-toque do Governo Militar. A implantação da lógica da Indústria Cultural, que submete a produção às possibilidades de lucro, gera impactos significativos sobre a dinâmica baiana e de outras regiões periféricas brasileiras. A principal delas é a concentração da produção no citado eixo Rio/SP, assim como sua centralização em algumas indústrias, entre estas a Rede Globo, transformando as emissoras locais em meras repetidoras de programação.

O impacto desta nova lógica, juntamente com o predomínio da censura militar, promove a migração ou o arrefecimento dos artistas locais. Contudo, tal conjuntura não impediu que a Escola de Teatro produzisse, em 1974, um grande sucesso popular, como Marylin Miranda, que levou mais de 15 mil pagantes ao Casarão do Canela. Seu diretor José Possi Neto retornaria à cidade, em 1996, para encenar o espetáculo de comemoração pelos 40 anos da unidade. É em A Casa de Eros, de Cleise Mendes, que Wagner Moura e Wladimir Brichta ganham repercussão na cena local.

A Bahia vive uma ‘segunda onda de profissionalização’ no final dos anos 80 e início dos 90, a partir de sucessos populares como A Bofetada, Recital da Novíssima Poesia Baiana e Oficina Condensada. O chamado boom do teatro baiano teve como traço principal o surgimento da figura do produtor, profissional fortalecido com o empreendimento empresarial na música baiana, que também promoveu a atualização tecnológica das casas de espetáculos. Neste movimento, não ficaram de fora professores e alunos da Escola de Teatro, como Paulo Dourado, Meran Vargens, Fernando Guerreiro, Frank Menezes e Rita Assemany, isso só para ficar nos espetáculos citados. Outros cursos profissionalizantes, como o Curso Livre da Ufba, criado em 1986, também iria fornecer novos atores e técnicos, fazendo uma primeira triagem entre os atores iniciantes.

Como outras expressões artísticas, o teatro dos anos 90 ganha visibilidade através da (re)criação do texto da baianidade, empreendimento promovido, sobretudo, com o retorno democrático do Carlismo ao poder. O ‘ser baiano’ se torna uma temática bastante explorada. Não é irrelevante neste período a mudança que se processa na estrutura das secretarias estaduais. Antes, a pasta de Cultura estava associada à Educação sendo, mais tarde, atrelada ao Turismo. E seu novo slogan passa a ser: Bahia, Terra da Cultura. Também é nos anos 90, que a produção cultural no Brasil tomará um novo fôlego com a entrada das leis de incentivo. Na Bahia, é criado o Fazcultura. Ainda há muito debate sobre os alcances reais e o funcionamento das leis, mas, de fato, a produção se mobilizou.

Em 1997, é criado o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da ET/Ufba, ainda hoje o único do Norte/Nordeste. Nestes nove anos, já foram formados 85 mestres e 20 doutores, tendo o PPGAC a máxima nota (seis) da Capes, entre os programas brasileiros. Através de intercâmbios com países como França, Itália, Alemanha, Argentina e Austrália, o PPGAC promove, mais uma vez, o intercâmbio de tradições e práticas do teatro mundial com a Escola.
Há visita constante de profissionais brasileiros e estrangeiros, que não raro ministram cursos na unidade, assim como o envio de novos alunos para estágios no exterior.

Promovendo, indubitavelmente, mais pesquisa e reflexão escrita sobre a área, talvez o PPGAC represente um novo passo para uma aguardada terceira onda de profissionalização: o da crítica. De todo modo, é preciso contornar desafios. Em primeiro lugar, o de estar atento para a incorporação destas pesquisas em encenações voltadas para a sociedade. E, segundo, para as necessidades de ampliação de seu espaço físico. Após firmar a permanência da Escola de Teatro e de seu palco no histórico Casarão do Canela (luta travada no ano passado), urge a criação de novas salas, ou pavilhão, para abrigar as inúmeras aulas teóricas da graduação e da pós, atualmente dispersas por várias unidades da Ufba.

TEATRO É MODERNO

Especial 50 anos
Terceiro – Escola promoveu o trabalho sistemático de técnicas e o ideário do teatro moderno

Desde a década de 50, a Escola de Teatro vem criando na cidade um espaço para a promoção sistemática do ideário e dos procedimentos do teatro moderno. É bom sabermos que sob a rubrica ‘teatro moderno’ se agrupam diferentes teorias e práticas. Artistas diversos, de diversas nacionalidades, fizeram aquilo que se convencionou chamar de “era moderna da história do teatro”, como o francês André Antoine, o russo Constantin Stanislavski e o alemão Bertolt Brecht. Porém, por mais contraditórias que sejam as correntes e as questões propostas, uma particularidade pulsa em todas elas: o reconhecimento da autonomia da arte do encenador.

Na Bahia o empreendimento ocorreu, sobretudo, através das inúmeras montagens que colocaram sob o olhar do diretor, os elementos que compõem o espetáculo teatral: o desempenho do ator, a leitura do texto (clássico ou moderno), a iluminação, o figurino, a sonoplastia e a cenografia. Na Escola da Ufba houve este exercício de técnicas e textos de diferentes épocas, gêneros e lugares, em consonância com ‘um olhar’, que era do encenador.

O teatro moderno nasce com a recusa da tradição declamatória, do estrelismo dos primeiros atores e das convenções óbvias da interpretação do século XIX, buscando ‘naturalidade e autenticidade’ nos palcos. Questionava-se o indisciplinado ‘ator-criador’, aquele que manipulava as falas e o texto ao seu bel prazer, que determinava as marcações e a distribuição de móveis de acordo com sua própria posição no cenário. O que leva alguns historiadores a afirmar que o ator, agora sob controle, passa a ficar à mercê da ‘ditadura’ do diretor.

Grandes dramaturgos como Henrik Ibsen, August Strindberg e Anton Tchecov se debruçaram sobre as questões do seu tempo, levando para o palco textos que fazem parte hoje do imenso legado modernista. O que nos leva a pensar em outro frutífero debate que atravessa o século moderno: a importância do texto dramático na encenação. Seria ele um elemento entre os demais ou a própria razão de ser do espetáculo?

No Brasil, a historiografia convencionou como marco do modernismo nos palcos a montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, pelo grupo amador Os Comediantes, exibida em 1943, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Contudo, a encenação como arte autônoma será exercida sistematicamente apenas a partir da criação do Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo. A estética do TBC sobreviveu nas diversas companhias que se desdobraram dele, que souberam produzir um teatro cosmopolita de alta qualidade, atualizado e de bom gosto. Entretanto, para o crítico Yan Michalski, o que faltou a este teatro foi a capacidade de incorporar no seu trabalho a consciência de que ele estava sendo realizado no Brasil.O que pode ser demonstrado pela falta da dramaturgia nacional e da incorporação de outras camadas de espectadores além das tradicionais elites econômicas e culturais que já o freqüentavam.

Houve, nos primeiros anos da Escola de Teatro, uma série de críticas que retomavam às já realizadas ao TBC. Não são comentários que se façam sem algumas objeções. Já em 1957, a Escola de Teatro desenvolve série de atividades em ‘assistência ao jovem autor no Brasil’, como a criação de biblioteca, inclusive de textos de cordel, o curso de formação de autor e, a partir do II Seminário Internacional de Teatro, os cursos de playwriting com Stanley Richards. Além disso, oito textos de autores brasileiros são encenados apenas na primeira administração.

Daí que, para a percepção destes fundamentos, seja importante compreender melhor a atuação da Escola de Teatro na construção do rico cenário cultural que mobilizou Salvador em meados do século XX. Principalmente porque o idealizador de seu projeto, Martim Gonçalves, fez mais do que ‘encenar peças consagradas’ na província, então freqüente crítica à sua atuação. Reconhecemos, através de pesquisa direta aos jornais da época, que as atividades da Escola de Teatro promoveram, sim, um encontro entre o repertório erudito ocidental e a cultura popular nordestina.

Se Gonçalves apresenta à cidade, Albert Camus, Bertolt Brecht, Paul Claudel e Tennessee Williams, também publica artigos sobre teatro popular na imprensa local, monta o primeiro cordel na Bahia, forma um inédito museu de objetos do cotidiano e inusitada biblioteca com folhetos de cordel, isso além de organizar, ao lado da arquiteta italiana Lina Bo Bardi, a Exposição Bahia, na V Bienal de São Paulo.

Em 1961, ainda na cidade, mas já afastado do cargo após campanha da imprensa exigindo seu afastamento (encabeçada pelo animador teatral Adroaldo Ribeiro Costa, que publicava, nos anos 50, uma coluna neste jornal), Gonçalves presencia o questionamento de sua participação no evento paulista, através de um debochado artigo da página semanal Unidade, escrita pelos estudantes secundaristas e publicada também neste jornal. Contudo, sua autoria e concepção são atestadas por Lina Bardi, em carta-resposta, publicada na edição seguinte, em 11 de setembro de 1961.

A mostra da Bienal teria como fonte de inspiração uma outra singular exposição organizada por Gonçalves, na França, em 1957. O diretor da Escola de Teatro apresentou sob o título de Danças e Teatros Populares no Brasil um profuso material fotográfico e sonoro de forte viés etnocenológico, com exemplares do que chamou de teatro popular brasileiro: os jogos de capoeira e a Procissão do Bom Jesus dos Navegantes.

Segundo matéria publicada no Diário de Notícias, de 13 de abril de 1957, a exposição, com fotos de Marcel Gautherot e Sílvio Robatto (ambos apresentariam material na futura Bienal paulista), fazia parte do Festival do Teatro das Nações, com patrocínio do Centro Français du Théâtre e da Aliança Francesa. A matéria não deixa de ressaltar que a “Escola de Teatro pretende desenvolver o seu programa de ensino, formando novos técnicos para o teatro brasileiro e incentivando os autores dramáticos a entrarem em contato com as fontes de inspiração tradicional e popular”.

Como se não bastassem tais iniciativas, é também na Escola de Teatro que será reerguido o Rancho da Lua após 46 anos de inatividade. As músicas deste conjunto de origem popular, uma variante dos Ternos de Reis, serão mais tarde utilizadas por Gonçalves na encenação de Uma véspera de Reis na Bahia, de Arthur Azevedo. Também não causa surpresa que vejamos ecos das técnicas e debates propostos na Ópera dos Três Tostões e em Evangelho de Couro (texto escrito pelo poeta e jornalista Paulo Gil Soares a partir dos cursos de roteiro da Escola), na épica montagem de Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme marco do Cinema Novo, dirigido por Glauber Rocha e co-roteirizado por Paulo Gil.

ARTIGO DE HACKLER

Ewald Hackler
Diretor, cenógrafo e professor do Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia. PhD. em Dramaturgia, pela Universidade da Califórnia, Berkeley, 1983.

O que temos a festejar, então, nestes 50 anos? Martim Gonçalves empreendeu, na verdade, um projeto muito simples. De uma simplicidade notável. Havia, é claro, um projeto acadêmico na Escola de Teatro, contudo o movimento mais importante ocorreu em termos profissionais. Havia, naquela época, na década de 50, apenas um teatro feito por amadores, por autoditadas. Houve, sem dúvida, muita resistência por parte deles... Posso até dizer que Martim Gonçalves fracassou como pessoa. Não, não o projeto... Mas como pessoa, sim. Ele e Lina Bo Bardi, que depois foi para o exílio em São Paulo. Engraçado é que foi neste exílio em São Paulo que ela construiu um museu que até hoje a Bahia não tem.

Gonçalves morreu na amargura, no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Eu não o conheci. Eu cheguei na Bahia em 1969. O que posso dizer é que havia uma memória perturbada nesta época. E na perturbação você via exatamente os degraus da coisa. Quando eu via os professores, as pessoas falando, se falava menos de Martim Gonçalves do que da província. É isso que se desnuda. Numa resenha que eu publiquei na revista Repertório no. 1, sobre A Mochila do Mascate, de Gianni Ratto, eu falo sobre isso. Eu pensava: como era possível que um homem despertasse tanto ódio? Tantas opiniões contraditórias?

Então, o projeto de Gonçalves foi genial na sua simplicidade. Em primeiro lugar porque tinha que envolver a escola toda numa montagem. Todos os alunos, os professores... Todos. E, depois, porque operava com elencos mistos. Com atores avançados, alunos de interpretação e profissionais mesmo, convidados de fora. É essa a genial simplicidade do projeto. Porque é na prática teatral e na sua sala de aula que se aprende teatro. É praticando teatro! E aprender a fazer teatro é só no palco e junto com gente que é mais experiente que você. É uma prática milenar!

Você pode sentar e estudar a história do teatro, ler textos e tudo mais... Está claro... Agora, e não é um simples detalhe saber disso, aprender teatro na prática faz a enorme diferença da Escola de Teatro na Bahia. Em nenhum outro lugar do Brasil é assim. Posso dizer até no exterior também... Esse foi o legado que Martim Gonçalves deixou para a Escola. Mas, no bem e no mal, a Escola e o teatro que Gonçalves deixou, sobreviveram.

E sobreviveram graças à consistência do método! Apesar dos esforços contrários de alguns diretores da escola, de muitos alunos e não poucos docentes. A Escola de Teatro constituiu uma ameaça para os amadores, uma ameaça à mentalidade da província. Houve uma revolta dos analfabetos, exatamente como na Música. Eles venceram a batalha. Porque são eles hoje em dia que mandam. Não se tem apenas uma música axé, se tem também um teatro axé!

Acredito que a província não compreendeu até hoje a natureza única do modelo didático bem arquitetado por Martim Gonçalves... Ele colocou o público em contato com o melhor teatro que a dramaturgia universal poderia oferecer. Hoje quando lemos o roteiro nos jornais sobre teatro adulto e teatro infantil e nós vemos que o texto, a direção, a atuação simultaneamente, enfim, tudo é de fulano de tal, compreendemos que a utopia de Martim Gonçalves sofre séria ameaça. Não entendo porque Gil Santana nunca ganhou um prêmio do Braskem. Ora, porque não? Ele representa tanto a essência do teatro baiano atual.

O teatro baiano é sócio-psicodélico. Nele todos trabalham como crianças da TV. Só conseguem raciocinar entre um plim plim e outro. O que se assiste é a submissão total do teatro ao entretenimento. O público mais exigente fugiu às incontinências verbais desse teatro. O teatro atual na Bahia tem um problema muito simples de identidade. Ele fala demais, sem poesia e substância. É com isso que o teatro se autodenuncia. Esse teatro mostra apenas a realidade de sua encenação e não a encenação da realidade em que vivemos.

Depois do abandono da censura, o teatro ganhou liberdade de expressão, mas perdeu a SUA expressão. Sofre de um aleijão de imaginação. Isso é óbvio quando se observa a mudança do público, o tipo de platéia, o que ela quer ver... É um teatro que não consegue seduzir o público à razão, à reflexão. Sempre tem uma postura de: “a Bahia saúda o resto do mundo”. É um teatro que garante a vitória de sua estética confusa sobre a substância. Não há diálogo. Aqui se produz um grande silêncio com muito barulho. E o teatro chegou numa fase agora que não tem mais nada a perder.

Às vezes eu penso que a dramaturgia baiana dos últimos cem anos não vale duas páginas de Nelson Rodrigues, com sua poesia e seu rigor artístico. Bom, só não uso Shakespeare para não me indispor com nosso ministro da Cultura, que quer logo banir Shakespeare do teatro do Brasil.

Não, eu não quero generalizar. Mas todo mundo sabe que tudo isso não se limita à Bahia. É a situação do teatro no Brasil inteiro. Na verdade não quero xingar o teatro na Bahia... Mas mostrar como a Escola é necessária. E, para a Bahia, mais importante AGORA do que há 50 anos.

sexta-feira, junho 16, 2006

CAPA - Celeiro de Talentos

50 anos - Iniciativa Singular

50 anos - Fotos da Pagina Central

50 anos - Escola muda Cenário Teatral em Salvador

50 anos - Inovação, Ensino e Prática

50 anos - Marco na Profissionalização

50 anos - Um Novo Desafio

50 anos - Um Ideário Moderno

50 anos - Projeto Vitorioso (E. Hackler)